A Matriz IDC (Introdução-Desenvolvimento-Conclusão)

O modelo mais clássico de trabalho acadêmico é o ICD: Introdução-Desenvolvimento-Conclusão. A maior parte dos trabalhos em direito (sejam artigos, dissertações ou teses) segue essa organização geral, que no fundo exige apenas que exista uma seção inicial introdutória, e uma seção final conclusiva. Trata-se, pois, de um formato muito plástico (e vago), em que o pesquisador tem ampla liberdade para alocar os elementos de pesquisa de acordo com a estrutura retórica de sua argumentação.

Além disso, é muito difícil que um trabalho científico tenha uma seção chamada de Desenvolvimento. Esse é um nome que usamos cotidianamente, mas com um significado muito genérico, no qual pode haver várias seções que indiquem tanto os resultados como o itinerário de pesquisa: análises históricas, comparações com outros sistemas jurídicos, explicações metodológicas, descrições dos resultados.

Um dos motivos de permanência dessa tripartição é o fato de que a ABNT (NBR 14724:2011 ) indica que os trabalhos acadêmicos têm três elementos textuais: "O texto é composto de uma parte introdutória, que apresenta os objetivos do trabalho e as razões de sua elaboração; o desenvolvimento, que detalha a pesquisa ou estudo realizado; e uma parte conclusiva.". Antes do texto devem vir os elementos pré-textuais, como agradecimentos, resumo e sumário. Depois dele vêm os elementos pós-textuais, como referências e apêndices.

Porém, a própria ABNT reconhece que os títulos dos elementos textuais devem ficar a critério do autor, que pode dividir essas partes da maneira como achar mais conveniente. E, de fato, a divisão dessas seções depende muito da importância que cada um desses elementos tem naquele trabalho específico.

As considerações metodológicas podem ser tão simples que podem ser contidas em um tópico da introdução. Também podem ser tão complexas que exigem um capítulo inteiro de uma tese de doutorado. Um capítulo de resultados pode ser relevante quando é preciso apresentá-los antes de discuti-los, mas não faz muito sentido essa divisão quando se trata de fazer um estudo de caso ou uma análise de jurisprudência.

As possibilidades de subdivisão do desenvolvimento são tão grandes que é difícil até mesmo falar de um modelo IDC, visto que este se trata de uma matriz aberta e plástica, altamente adaptável por parte dos pesquisadores. Introdução e conclusão são as partes mais definidas, mas mesmo assim existe uma margem de manobra ampla.

Alguns pesquisadores optam por introduções longas, que podem terminar realizando parte da análise, em vez de se limitar a realizar uma apresentação. Outros optam por introduções curtas, deslocando algumas discussões preliminares para os capítulos do desenvolvimento. As conclusões não deveriam introduzir novos argumentos, mas apenas sintetizar os argumentos do desenvolvimento, mas elas acabam servindo como um lugar voltado ao desenvolvimento de análises (especialmente de análises prospectivas e de opiniões mais pessoais).

Essa grande plasticidade faz com que esse seja o modelo típico das dissertações e das teses: trabalhos muito amplos, em que há espaço para capítulos acessórios (como abordagens históricas ou comparativas, quando elas não são parte específica do problema de pesquisa) e para que os andaimes fiquem à mostra (normalmente mais do que seria devido).

No caso dos artigos, que são trabalhos muito mais enxutos, o modelo IDC vem gradualmente cedendo espaço, ao longo das últimas décadas, a modelo IMRD.

O Modelo IMRD (Introdução, Metodologia, Resultados, Discussão)

Por vezes, os cursos de metodologia concentram-se tanto em explicar como se deve fazer a pesquisa que não deixam espaço suficiente para falar do resultado final: os textos acadêmicos.

Esse foco na pesquisa é razoável porque a maioria dos estudantes não tem experiência na realização de pesquisas e, se eles não aprenderem como fazê-las, não serão capazes chegar a resultados que mereçam ser publicados. Todavia, não se pode perder de vista que a distinção entre pesquisa e texto é muito fluida, especialmente quando se trata de metodologias qualitativas.

Nas abordagens experimentais, pode ser razoável separar o experimento a ser realizado do relato acerca do experimento, que é o texto enviado para publicação. Os trabalhos experimentais costumam ter uma estrutura em que existe uma sucessão de fases:

  1. Inicia-se pelo desenho da pesquisa, especialmente pela definição conjunta de um problema a ser enfrentado e de uma estratégia para abordá-lo;
  2. Uma vez estabelecida a estratégia de abordagem, ela é aplicada, gerando os resultados;
  3. Colhidos os resultados, eles são interpretados, sendo essa a parte mais analítica do trabalho.
  4. Quando tudo isso está pronto e estabilizado, o pesquisador simplesmente escreve uma introdução que apresente a pesquisa efetivamente realizada e o trabalho fica pronto.

Esse é o formato de trabalho típico das ciências experimentais, que veiculam seus resultados por meio de artigos científicos. Ele normalmente é referido como IMRD ou, para facilitar a pronúncia, IMRAD (Introduction, Materials and Methods, Results And Discussion).

A principal característica desse modelo é tratar em seções autônomas a Metodologia (que não é apenas uma parte da introdução), os Resultados (que são descritos em uma seção específica) e a parte analítica (contida na Discussão).

Outra peculiaridade desse modelo, que o distingue das formas típicas da apresentação da pesquisa em direito, é que ele não tem uma seção específica de conclusão, visto que a parte analítica é realizada dentro da seção discussão.

Trata-se de um formato enxuto e altamente eficiente, já que as seções podem ser escritas de forma sucessiva, sem que os desenvolvimentos da etapa seguinte tenham impacto significativo nas etapas já escritas. Além disso, como ressalta Aragão (2011), a "adesão ao IMRD confere, assim, rapidez à elaboração dos artigos científicos, dá a estes uniformidade, facilitando e agilizando o trabalho de editores e avaliadores; consequentemente, diminui o período de gestação das publicações científicas e favorece uma produção em massa, industrial."

O formato IMRD se tornou dominante em várias áreas do conhecimento, notadamente nas ciências biomédicas, o que fez com que, na literatura que aborda o artigo científico, muitas vezes ocorra uma "tendência de assumir o IMRD, ou uma de suas variantes, como estrutura universal para esse tipo de produção escrita" (Aragão, 2011). Porém, Aragão fez uma pesquisa extensa em que identificou que, se aproximadamente metade das revistas da Scielo Brasil indicavam esse formato (o que justifica a percepção de sua predominância), outra metade não se comprometia com ele (o que inviabiliza a tese de uma universalidade)

Uma variação comum do IMRD é o IMRDC, em que a seção de discussão é seguida por uma seção de conclusão. Na prática, isso faz com que a discussão seja cindida, contendo a parte analítica e deixando espaço para uma seção conclusiva específica, que se espera que seja muito curta e apenas indique, de forma resumida, os principais resultados obtidos e seus impactos. Há, inclusive, revistas que têm uma seção de discussão e conclusão, unidas no mesmo título.

Nos artigos brasileiros da área jurídica sobre comportamento judicial, não encontramos exemplos de um uso do IMRD em sua forma pura, especialmente porque faz parte da nossa cultura terminar os artigos sempre com uma seção chamada conclusão, que somente é tipicamente é convertida em considerações finais quando o trabalho é descritivo ou exploratório e, por isso, não trabalha com hipóteses a serem confirmadas.

Mesmo nos artigos que se aproximam bastante desse modelo, como os de Ivar Hartmann, tendem a ter uma seção de conclusão e não de discussão.

Embora o Sumário siga em linhas gerais o IMRD, a Justificativa aparece de forma autônoma e a Regressão Logística é autonomizada dos resultados. De toda forma, este é um artigo cuja estrutura pode ser considerada como IMRD, especialmente porque há uma seção específica de metodologia (que não é apenas uma parte menor da introdução) e há uma segmentação entre resultados e conclusão.

Todavia, esse formato está muito longe de ser a regra geral dos artigos jurídicos, que tendem a seguir a matriz IDC, mas com uma grande fragmentação de seções, cujas divisões e títulos dependem muito das estratégias discursivas de cada trabalho.

Limites do IMRD

A concisão do modelo IMRD vem com um preço: o foco no resultado deixa pouco espaço para o itinerário. Não há muito lugar para explicar como a metodologia foi desenvolvida, como ela foi alterada ao longo da pesquisa, como foi preciso refazer tantas coisas ao longo do processo, como a pesquisa final se distancia do projeto inicial.

Não há como aprender com os erros e as tentativas do pesquisador, como compreender o modo pelo qual ele desenvolveu suas categorias. Como somente os resultados são apresentados, o texto pode ser escrito ao final, na forma de relato acoplado a uma análise (discussão).

Esse foco é especialmente problemático na pesquisa qualitativa, pois não há não nela uma diferença temporal tão marcante entre a pesquisa e o relato. De fato, as pesquisas qualitativas não produzem propriamente um relato final de uma pesquisa prévia, pois o desenvolvimento da pesquisa ocorre por meio da escrita do próprio texto.

A pesquisa qualitativa envolve uma postura reflexiva sobre o objeto, uma análise do seu significado, uma busca de apresentá-lo adequadamente. O processo de escrita não é um relato de uma pesquisa previamente realizada, pois a atividade de pesquisa ocorre por meio da escrita do próprio texto.

Isso acontece porque a pesquisa qualitativa normalmente envolve a tentativa de compreender um certo objeto (dados, entrevistas, comportamentos), e o exercício da compreensão é circular: voltamos muitas vezes aos pontos de partida, ressignificamos as leituras, modificamos os conceitos de base. Os pesquisadores qualitativos escrevem e reescrevem seus texto inúmeras vezes, não só porque querem chegar a uma forma adequada, mas porque mudamos nossas percepções ao longo da pesquisa.

Na pesquisa qualitativa, o texto não costuma ser um relato da pesquisa, pois a pesquisa se confunde com a redação (tortuosa, circular, hermenêutica) de uma narrativa que dê sentido aos objetos estudados. Como as abordagens experimentais têm uma estrutura mais fixa (planejamento, execução, análise) e menos circular, elas costumam caber bem no IMRD, ou em alguma de suas variações. Já as pesquisas qualitativas, que são as mais abundantes no direito, precisam ser organizadas de modo mais retórico e argumentativo, o que tipicamente exigem modelos mais plásticos e vagos, como o tradicional IDC, que tem um espaço abrangente para acomodar o itinerário de pesquisa e as observações críticas do pesquisador.

Mesmo na pesquisa quantitativa, a distinção entre relato e texto é muito relativa, exceto quando tratamos propriamente de pesquisas experimentais, visto que o experimento é uma atividade relativamente autônoma e fixada em um tempo determinado. Na pesquisa observacional e na pesquisa de dados, que também podem ser quantitativas, a estrutura da pesquisa também é compreensiva: a busca de compreender o objeto acompanha a redação do texto que enuncia essa compreensão.

Potencialidades das variações do IMRD

Apesar dos limites do IMRD e de sua baixa incidência nos artigos de ciências sociais aplicadas, devemos reconhecer que algumas das características presentes neste modelo são fundamentais para a pesquisa contemporânea.

Independentemente do título que se dê, é preciso esclarecer devidamente a metodologia, pois somente estratégias de abordagem minuciosamente descritas podem viabilizar a repetibilidade de um trabalho. Se não são explicados os critérios de classificação de certas decisões, ou os motivos pelos quais o pesquisador considerou que determinados acórdãos são os mais relevantes de uma área, não será possível repetir as análise efetuadas por um grupo de pesquisa.

Assim, embora a existência de uma seção autônoma de metodologia possa ser desnecessária, é vital que o trabalho deixe claras as suas estratégias de abordagem. O mesmo se diz dos resultados: é preciso que sejam descritos os resultados, e não apenas a interpretação dos resultados, para que eles possam ser devidamente analisados por outras pessoas. Por isso, tem razão Aragão ao observar que o ensino da escrita científica deve "se ater menos a modelos e mais a fundamentos que contribuam para que os aprendizes elaborem textos capazes de circular em seus campos de estudo, independentemente da forma" (Aragão, 2011).

O modelo FFC

Um modelo de escrita que deve ser cuidadosamente evitado é o formato padrão das teses jurídicas, que envolve uma descrição dos Fatos, seguida de uma análise dos Fundamentos, para culminar em uma conclusão (que pode ser um pedido, uma opinião ou uma decisão).

Por mais adequado que seja esse modelo para a prática judicial, ele não tem espaço suficiente para o desenvolvimento de uma investigação. Não há uma introdução que contextualize o trabalho, não há nenhum lugar para considerações metodológicas nem para a apresentação de resultados.

Nesse modelo, o objetivo é deixar que a parte dos Fatos (ou Relatório) seja a mais impessoal possível, o que permite inclusive que ela seja realizada pela incorporação do trabalho dos assessores ou de relatórios anteriormente realizados. A parte analítica é concentrada na fundamentação, mas como o próprio nome indica, não se trata de uma análise dos dados e sim da justificativa retórico-argumentativa da conclusão.

Esse tipo de organização não favorece um discurso baseado em evidências, mas um discurso baseado em opiniões. As evidências são empíricas, são observações sobre os fatos que exigem uma interpretação adequada, para que sejam compreendidos. O discurso científico é ligado à apresentação de evidências que corroboram uma proposta de interpretação/explicação (a hipótese), enquanto o modelo dos pareceres é voltado a convencer os participantes de que a tese sustentada é correta.

Não seria exagerado afirmar que um mestrado em direito, para os juristas, é um grande exercício voltado a permitir o trânsito do modelo do parecer ao modelo da pesquisa. Claro que a diferença fundamental desses modelos não é a estrutura de tópicos, mas o tipo de argumentação. Porém, uma das formas de propiciar esse trânsito é estar atento para a forma como articulamos nossos textos, visto que não é possível construir um texto cientificamente sólido sem que haja nele espaço suficiente para compreender as estratégias usadas, os resultados desse uso e os modos como ele pode alterar a nossa percepção dos fenômenos estudados. E esse espaço dificilmente é garantido quando construímos nossos artigos começando com uma descrição dos fatos (sem explicar por que eles foram escolhidos), passando por uma justificação das conclusões (que não foram ainda explanadas) e culminando em um parecer centrado em uma questão decisória (e não na compreensão reflexiva acerca dos limites e potencialidades do nosso próprio conhecimento).

A estrutura e os andaimes

Em toda parte analítica do seu trabalho (seja o seu desenvolvimento ou a sua seção de discussão), a qualidade do texto final é diretamente proporcional à quantidade de texto que você descarta. Como a análise se confunde com a redação do texto, o resultado é como o de uma obra em que se misturam os andaimes que sustentam as suas reflexões.

A primeira versão de um texto analítico costuma ser repleto de referências bibliográficas, de conjecturas históricas, de tentativas que não levaram longe, de uma série de coisas que não precisam (e geralmente não devem) estar na versão final do trabalho, enviada para a publicação.

Muitas monografias são grandes (e confusas!) pelo simples fato de que os andaimes estão lá. Os piores trabalhos são aqueles que não passam de andaimes. Na ausência de uma construção a mostrar, o autor apresenta as revisões bibliográficas, as releituras, as tentativas que fez, seus itinerários circulares que por vezes não o levaram a trazer nada que valesse a pena publicar.

No caso de pesquisas exploratórias, pode-se publicar apenas o itinerário e ele pode ser relevante por estar desbravando campos inexplorados. Mas não há muito sentido em divulgar como textos originais relatos de viagem sobre territórios que já foram mapeados. Nesse caso, é preciso ao menos desafiar as cartografias já realizadas, o que exige um enfrentamento bem diverso do objeto.

Harold Becker diz, com razão, que os graduandos tendem a construir seus trabalhos de um modo peculiar: de uma vez só. Eles estudam, estudam, organizam suas ideias, sentam-se e escrevem um texto que precisa ser entregue rápido e que será avaliado apenas como um elemento de sua formação. Não são textos destinados à publicação, mas a serem esquecidos. Uma vez que sejam suficientes, não vale a pena torná-los bons.

Mas os textos acadêmicos reais (não os exercícios pedagógicos), são sempre textos publicáveis. A ciência é um discurso dialógico: cada um apresenta suas ideias, todas elas podem ser criticadas, as melhores versões tendem a ganhar espaço.

Treinar um estudante para escrever textos a serem esquecidos não é treiná-los para exercer as atividades acadêmicas reais. É treiná-los como técnicos especializados, cuja atividade será a de emitir opiniões sobre casos concretos. Mas a metodologia de pesquisa não é voltada a ensinar os estudantes a defender suas teses, mas a de produzir trabalhos voltados para a publicação.