Equilibrando a complexidade do trabalho ao tempo disponível

1. Tipos de trabalhos e publicações

Os textos acadêmicos podem ter formas bem diferentes: artigos, monografias, dissertações, teses, tratados, verbetes, relatórios de pesquisa, resenhas e outros mais. As distinções entre algumas dessas categorias podem ser nebulosas, mas é importante conhecer esses vários tipos de trabalho cada um deles tem suas peculiaridades e exige um planejamento diverso.

Em comum, temos o fato de que a atividade acadêmica passa sempre pela escrita e o seu objetivo final é (quase sempre) o de gerar publicações, especialmente em livros ou em periódicos. A diferença básica entre essas duas modalidades é que os livros são uma espécie de monografia, ou seja, constituem um texto “completo, constituído de uma só parte, ou que se pretende completar em um número preestabelecido de partes separadas” (ABNT, NBR 6023). Portanto, o mono de monografia não se refere a um autor único, mas a uma obra fechada, que tem uma unidade interna.

O gênero monografia compreende obras que têm uma unidade, sejam elas livros em volume único (que são a maioria), livros divididos em vários tomos (mas que constituem uma unidade), enciclopédias e dicionários. As publicações monográficas se distinguem das publicações periódicas, como revistas e jornais, que são constituídas por uma série aberta de números diferentes. Uma revista científica é publicada tendo em vista uma continuidade futura, em volumes cujo conteúdo não pode ser conhecido de antemão. O que define uma boa revista não é um certo conteúdo, mas um certo projeto editorial, com uma definição clara do seu escopo e dos critérios de seleção dos textos a serem publicados.

De fato, o conceito editorial de monografia não designa um tipo de texto, mas um tipo de publicação. O mesmo texto (por exemplo, os conteúdos de um curso de pesquisa jurídica), pode ser publicado de modo unificado como um livro, mas também pode ser fragmentado em elementos menores, que podem ser publicados como pequenos livros, como capítulos de livros diferentes ou como artigos. Cada uma dessas formas tem suas vantagens e desvantagens, e a estratégia de publicação deve ser pensada pelo autor.

Em certas áreas acadêmicas, somente é levada a sério a publicação feita em periódicos científicos, pois estes contam com um sistema de revisão por especialistas (o peer review) instituído para garantir que uma revista publique apenas trabalhos que tenham conclusões sólidas, baseadas em metodologias adequadas. Em ciências experimentais, como a física, os livros não são um meio de publicação de trabalhos científicos, mas são uma forma de publicação voltada especialmente a livros didáticos ou a divulgação científica para leigos.

No caso do direito, boa parte da produção acadêmica é veiculada na forma de livros, que é o modo tradicional de circulação do conhecimento jurídico. Este, porém, é um cenário que tem se modificado rapidamente, como discutiremos no ponto seguinte.

Mas antes de entrar nas estratégias contemporâneas de publicação, precisamos dar um passo atrás e diferenciar o conceito editorial de monografia (que é este do qual tratamos, da monografia como um tipo de publicação), do conceito acadêmico de monografia. Quando falamos em uma monografia final de curso, não designamos uma forma de publicação, mas um tipo específico de texto, que se diferencia das dissertações, das teses, dos manuais e dos tratados.

No contexto universitário, entende-se normalmente que o mono de monografia se refere a um tema bem delimitado, o que diferencia as monografias tanto dos manuais (que tratam didaticamente de muitos temas), dos tratados (que tratam de um campo temático amplo) e das enciclopédias (constituídas por verbetes). Assim, a marca distintiva da monografia é o fato de que ela deve ser um trabalho aprofundado (e não panorâmico) acerca de um objeto bem determinado (e não de um campo de saber).

Comumente, usamos o termo monografia em um sentido ainda mais restrito, para identificar um trabalho monográfico de complexidade intermediária, que seria mais extenso e complexo do que um artigo (que é a forma mais concisa de escrita acadêmica publicável), embora mais simples que uma dissertação (denominação normalmente reservada aos trabalhos de conclusão de mestrado) ou uma tese (denominação ligada aos trabalhos de doutoramento, que envolvem a defesa de uma tese original).

Nesse ponto, os usos editorial e acadêmico da palavra monografia se cruzam: as monografias acadêmicas seguem o formato do livro. Sejam trabalhos de conclusão de curso (TCC), dissertações ou teses, as monografias acadêmicas são divididas em capítulos e é bastante comum que as melhores entre elas recebam das bancas avaliadoras uma recomendação de publicação. Escrever uma monografia é escrever um texto completo, que poderia ser publicado no formato de um livro. Monografias acadêmicas não são tipicamente planejadas para serem parte de um conjunto, nem para serem publicadas de modo fragmentado, e sim para constituírem textos unitários, formados por vários capítulos interconectados.

Uma monografia típica tem ao menos 50 páginas, o que cumpre o tamanho mínimo para que um documento possa ser qualificado formalmente como livro, nos termos da ABNT (NBR 6029/2002), que define livro como uma “publicação não periódica que contém acima de 49 páginas, excluídas as capas, e que é objeto de Número Internacional Normalizado para Livro (ISBN)”. Originalmente, a NBR 6029 da ABNT definia como livro publicações a partir de 5 páginas passíveis de obter ISBN, mas atualmente as obras com 5 a 49 páginas entram na definição de folheto. Esse número de páginas deve ser visto com cuidado porque as folhas A4 típicas de uma monografia contém cerca de 50% mais palavras que as páginas usuais de um livro, que são menores, embora usem um espaçamento mais condensado. Assim, uma monografia constituída por um manuscrito (ou seja, um texto escrito pelo autor e não publicado) impresso com 35 páginas provavelmente contém texto suficiente para ser publicada no formato de livro.

Essas são dimensões que ultrapassam os limites máximos para a publicação de artigos em revistas especializadas, que normalmente aceitam manuscritos cujo tamanho máximo varia entre 15 (em revistas mais restritivas, como a Revista Jurídica da Presidência) e 35 páginas, nas revistas que admitem artigos mais longos. Embora haja uma fronteira nebulosa entre os artigos grandes e as monografias curtas, o mais comum é que as monografias tenham tamanhos correspondentes a cerca de dois a três artigos, superando com isso as 50 páginas nas monografias de graduação e se aproximando de 100 páginas no caso das dissertações de mestrado.

Todos evitamos estabelecer claramente esses limites de extensão porque alguns trabalhos curtos podem ser muito densos e muitos trabalhos longos são compilações infindáveis de fichamentos e citações, que ocupam espaço sem agregar nada. Se você escreve uma monografia de 60 a 80 páginas, uma dissertação de mestrado de 100 a 120 páginas e um doutorado de algo em torno de 150 páginas, cremos que ninguém vai comentar o tamanho deles na banca, pois eles serão sentidos como “normais”.

Já os artigos têm limites muito mais claros, pois textos curtos demais (o que é raro) não chegam a ser publicáveis, e trabalhos longos demais deixam de sê-lo. Um artigo de 16 páginas pode ser publicado em quase qualquer revista jurídica brasileira, mas quando um artigo vai chegando às 30, 35 páginas, poucas são as revistas cuja política editorial admite a sua submissão, mesmo que se trate de revistas puramente online (onde era de se esperar que o tamanho não fosse uma questão central).

Portanto, se você deseja publicar um livro, pense em escrever um manuscrito de 100 a 150 páginas, dividido em capítulos que tenham o tamanho de um artigo, para que esses capítulos possam circular de forma independente. Na academia, são poucos os livros que são lidos integralmente porque a parte inovadora e original de uma obra acadêmica costuma estar concentrada em alguns dos seus pontos. Os pesquisadores raramente leem os livros inteiros porque eles consultam essas obras em busca de elementos que dialoguem com as suas próprias pesquisas. No uso didático em cursos de graduação e pós-graduação, é mais comum que os professores recomendem a leitura de certos capítulos, e não de livros inteiros, se se você quer que o seu texto circule em tais cursos, convém organizar o trabalho de modo a facilitar esse tipo de uso fragmentado.

A lógica dos periódicos é diferente, porque o prestígio do periódico é medido em termos do seu fator de impacto, ou seja, do quanto ele é citado por outras publicações. Não interessa às revistas publicar textos que tenham potencial pequeno para receber citações, o que incentiva as revistas a publicar um pequeno número de artigos de alta qualidade. Porém, a avaliação institucional da CAPES e os critérios de inserção em bases públicas como a Scielo (Scientific Eletronic Library Online) impõem aos periódicos uma série de características que condicionam as suas dimensões e o seu funcionamento, especialmente de limites à sua endogenia.

Boa parte das revistas é sustentada por recursos de uma instituição determinada, especialmente de universidades públicas e privadas, que têm um grande interesse de que essas revistas publiquem os textos dos seus pesquisadores. Porém, todos os sistemas de avaliação consideram a endogenia como um signo de baixa qualidade, o que faz com que sejam introduzidos vários critérios de pluralidade: uma revista de prestígio deve ter editores filiados a diferentes instituições, deve ter pareceristas de vários locais, deve publicar textos de autores de regiões diferentes e em línguas diversas.

Para entrar no Scielo, por exemplo, que é um signo de grande prestígio para um periódico, a revista precisa ter editores associados a várias instituições de pesquisa, inclusive fora do país, precisa admitir 25% de seus artigos para revisão em língua estrangeira.

2. O horizonte temporal dos trabalhos

Todo pesquisador está constantemente em um dilema, visto que suas pesquisas são determinadas por dois elementos que apontam em sentidos contrários.

De um lado, é sempre importante formular abordagens originais e criativas. Quanto mais você avança na academia, maiores são as exigências no sentido de que o seu trabalho precisa ser mais complexo em vários níveis:

  1. empírico, com coletas de dados mais desafiadoras;
  2. teórico, com a formulação original de categorias para classificar os dados de forma inovadora;
  3. metodológico, com o desenvolvimento de ferramentas de análise capazes de extrair conclusões interessantes dos dados que você levantou.

Por outro lado, não adianta muita coisa planejar uma pesquisa tão complexa que exigirá que você desenvolva competências cujo domínio demandará um tempo que não é disponível e cuja coleta de dados exigirá recursos que você pode não ter.

É sempre esperado que os seus trabalhos demandem que você aprimore algumas habilidades ao longo do processo (estatísticas, computacionais, metodológicas, etc.), mas esse processo de formação precisa ser compatível com a complexidade do seu trabalho e o tempo disponível.

O limite do seu horizonte temporal deve ser o de quatro anos, que é atualmente o prazo máximo de um doutorado. Esse é um período suficiente para que você possa dedicar dois anos ou três anos ao desenvolvimento de capacidades estatísticas e computacionais avançadas. Também é suficiente para que você realize um longo trabalho de campo, com aplicação de muitos questionários ou com uma observação participativa que pode tomar vários meses.

Nos limites do doutorado, você pode reservar o último ano para a coleta de dados e a redação final da tese, o que lhe dá até três anos para realizar atividades como:

  1. Definição e aprimoramento do projeto;
  2. Estudos preparatórios e revisão bibliográfica;
  3. Estudos metodológicos: estatística, programação, machine learning, etc.

Ao longo dessa fase de planejamento e preparação, é normal que você altere várias vezes o objeto de pesquisa, visto que seus estudos abrirão muitos caminhos que você nunca explorou. Por mais que essas mudanças conduzam a um aprimoramento que é desejável, o longo tempo do doutorado permite que muitas pessoas se percam nesse caminho, seja procrastinando a definição do objeto de pesquisa, seja fazendo estudos preparatórios que nunca terminam, seja dedicando-se muito ao trabalho fora da academia.

O exercício da liberdade é um processo que gera angústia, pois somos responsáveis diretos pelos nossos atos e os níveis de exposição de uma defesa pública são um peso muito grande para vários estudantes. A síndrome do impostor é um fantasma constante para os acadêmicos e vários são os doutorandos que enfrentam quadros de angústia e depressão nessa fase de indefinição dos projetos.

Para enfrentar essas dificuldades, os programas de pós-graduação tendem a exigir dos doutorandos, no meio do seu curso, uma qualificação do projeto: o projeto deverá ser apresentado a uma banca e, uma vez aprovado, não pode mais ser substancialmente alterado. Essa é uma estratégia que exige dos doutorandos um planejamento cuidadoso (que é imprescindível no nível de complexidade das pesquisas de doutorado) e garante que ao menos um ano e meio seja destinado à execução dos projetos.

Já os mestrados (profissionais ou acadêmicos) têm, no máximo, dois anos de prazo, o que faz com que simplesmente não haja tempo disponível para fazer todos esses desenvolvimentos prévios. Dois anos pode parecer muito tempo para um pesquisador iniciante (afinal, é quase metade de uma graduação), mas isso significa que os mestrandos têm basicamente um ano para se preparar (1/3 do tempo dos doutorandos) e um ano para executar o projeto.

Essa grande restrição temporal faz com que os mestrandos precisem ser muito comedidos em seus projetos, pois de nada adianta planejar uma pesquisa tão ambiciosa que ela se torne incompatível com a disponibilidade real de tempo e de recursos.  O projeto de mestrado costuma ser o momento no qual os estudantes se vêm frente ao doloroso reconhecimento dos seus próprios limites, pois o que se exige dos mestrandos é um trabalho publicável (o que não se exige na graduação e em algumas especializações), mas o tempo oferecido é muito pequeno para realizar um produto desse tipo.

Um mestrando precisa escolher com cuidado as habilidades que ele pretende desenvolver e o conjunto de informações que pretende analisar, para que tudo isso caiba no seu apertado cronograma. Isso faz com que o enfrentamento dos desafios do mestrado somente seja viável com uma boa orientação, que auxilie os pesquisadores na definição do objeto de pesquisa, da bibliografia a se revista e das estratégias de abordagem.

Já as pós-graduações lato sensu (especializações) costumam ser ainda mais concisas. Uma pós-graduação de 18 meses oferece aos estudantes o mesmo tempo de preparação de um mestrado (cerca de um ano de aulas), mas apenas metade do tempo para a realização da pesquisa, o que exige a formulação de projetos ainda mais enxutos.

No caso das graduações, o tempo disponível para a pesquisa varia e o tempo de preparação é diluído ao longo do curso, em disciplinas metodológicas diferentes, mas é comum que o Trabalho de Conclusão de Curso seja realizado no último semestre, o que exige que ele caiba em cerca de 4 meses. Porém, não se espera que os graduandos produzam trabalhos originais nem publicáveis: trata-se de um exercício com foco na formação do pesquisador, diferentemente da pós-graduação, que tem como foco a produção de trabalhos que efetivamente contribuam com novos conhecimentos para o campo.

3. Dimensões de complexidade

No ponto anterior, discutimos o modo como o tempo da pesquisa precisa ser adequado aos prazos disponíveis. Pesquisas mais extensas costumam gerar trabalhos mais longos, mas isso não é necessário, pois investigações extensas e complexas podem gerar artigos curtos, que consolidam o resultado de muito esforço.

Trabalhos acadêmicos muito longos (de várias centenas de páginas) costumam ser menos densos e envolver muitos trechos de revisão bibliográfica ou mesmo de transcrições. O que deve diferenciar os trabalhos de graduação dos de pós-graduação não é a sua extensão, mas o nível de complexidade.

Pesquisas acadêmicas podem ter diversos graus de complexidade em suas várias dimensões.

3.1 Dimensão empírica: o levantamento dos dados

Existem trabalhos em que é desafiadora a coleta de dados empíricos capazes de possibilitar um enfrentamento do problema de pesquisa. Essa é uma tarefa especialmente complexa quando você precisa fazer uma observação direta dos fenômenos ou quando lida com documentos que estão em arquivos cujo acesso é restrito.

Uma pesquisa possível seria a de mapear a forma como o STF utiliza o tempo de suas sessões virtuais e presenciais: que processos são julgados, quanto tempo é destinado a cada um, o que esse tempo envolve (sustentações, votos, diálogos, etc.). Esse é um tipo de pesquisa em que um grande desafio seria o de assistir às seções (ao vivo ou em gravações) para poder identificar o uso do tempo. Investigações que envolvem a observação direta de fenômenos sociais, como julgamentos, tendem a exigir um tempo muito grande de coleta de dados, mesmo quando eles são facilmente acessados.

Ocorre que nem todos os dados estão em arquivos abertos ao público. Thaís Dumêt, por exemplo, fez na UnB uma pesquisa chamada "História de um silêncio eloquente", que buscava compreender qual era o perfil das mulheres criminalizadas pelo sistema brasileiro de justiça no início do século XX. Ela narra que sua ideia inicial era trabalhar com os prontuários das detentas na Penitenciária Feminina (hoje chamada de Talavera Bruce), e que ela passou praticamente um ano enfrentando uma burocracia que exigia autorização do Secretário de Segurança Pública, em um processo administrativo específico, para ter acesso aos documentos. Somente depois de todo esse itinerário, que envolveu seis visitas ao Rio de Janeiro e o cumprimento de uma série de exigências, a pesquisadora recebeu a informação de que os prontuários que ela queria examinar haviam sido destruídos por um incêndio e que, portanto, não havia mais documentos sobre aquela época.

O desafio de coletar informações contidas em arquivos desse tipo é grande e pode consumir uma parte substancial do tempo disponível. Se Thaís Dumêt tivesse conseguido acesso aos prontuários, ela teria enfrentado outros desafios (de ordem teórica e metodológica), relacionados à organização e à classificação dos documentos. Como as fontes de pesquisa definidas no projeto se mostraram indisponíveis, Dumêt teve de modificar o objeto da investigação, que passou a lidar com documentos acessíveis na Biblioteca Nacional. Ela não conseguiu informações diretas sobre as detentas, mas a análise de discursos da época permitiu que ela avaliasse os estereótipos sobre a criminalidade feminina na primeira metade do séc. XX (Dumêt, 2013).

Essa opção pela pesquisa em documentos públicos, como livros disponíveis em bibliotecas ou decisões judiciais, reduz a complexidade do processo de coleta de dados empíricos, lembrando que a pesquisa documental é empírica, pois ela observa diretamente certos objetos (os documentos).

Nesse ponto de levantamento de dados empíricos, podemos ter pesquisas que são de:

  1. Baixa complexidade: utiliza informações contidas em bancos de dados públicos, anteriormente organizados, de tal forma que não há necessidade de despender esforços de coleta e organização dos dados;
  2. Média complexidade: utiliza informações contidas em bancos de dados públicos, mas que não foram previamente organizadas, o que exige dos pesquisadores um trabalho de geração de bancos estruturados de dados;
  3. Alta complexidade: precisa produzir os dados utilizados nas análises, seja por meio de experimentos, de observação direta, de entrevistas, de etnografia ou de outras formas de levantamento de dados sobre as situações pesquisadas.

3.2 Dimensão teórica: as escolhas conceituais

Existem trabalhos em que a coleta dos dados pode ser simples, mas a sua análise pode ser sobremaneira desafiadora.

Como devemos classificar os dados obtidos? Essa é uma questão propriamente teórica e devemos reconhecer que, no campo da pesquisa empírica em direito, não ocorreu ainda uma consolidação das categorias de análise, o que aumenta a complexidade teórica das investigações.

  1. O que se deve chamar de processo? Uma cautelar em ADI é processo ou é um incidente dentro de outro processo?
  2. O que se deve chamar de decisão? Uma decisão repetitiva é uma nova decisão ou é uma aplicação nova de uma decisão anterior?
  3. O que se deve chamar de procedência? Uma decisão de ADPF que afirma a necessidade de uma interpretação conforme, pode se apresentar como procedência, mas na prática manter a validade do entendimento que foi contestado pela ação.

Esse tipo de escolha pode ser feita pelos pesquisadores, mas a forma típica de enfrentá-las é eleger um "marco teórico" e afiliar-se a ele. Quando o investigador define um referencial teórico específico, ele se desonera da complexa tarefa de desenvolver os conceitos ou de justificar a sua adoção, reduzindo a complexidade teórica da pesquisa.

A adoção de marcos teóricos adequados é o que viabiliza a pesquisa conclusiva. Você não pode reconstruir a roda a cada momento, pois isso desloca o seu problema empírico (compreender uma situação) para uma questão propriamente teórica (desenvolver um conceito voltado a compreender situações).

Se você decide fazer uma investigação acerca de como os tribunais brasileiros lidam com as pessoas transgênero, é preciso que você parta de um conceito de transgênero ou que defina um conceito no seu próprio trabalho. Essa segunda opção converteria a sua investigação em uma pesquisa teórica, voltada a desenvolver categorias, o que exigiria um esforço teórico muito grande e absolutamente dispensável, se o seu interesse é analisar decisões judiciais de um ponto de vista empírico, ou analisar interpretações jurídicas de um ponto de vista dogmático. Em ambos os casos, o mais indicado é que você escolha o conceito de transgênero com o qual trabalhará e indique essa apropriação como parte do marco teórico do trabalho.

A adoção de um referencial teórico deve ser vista como uma forma de reduzir a complexidade teórica da pesquisa, e não de incrementá-la. Pesquisas com referenciais definidos podem partir para a aplicação dessa rede de categorias, sem gastar muito tempo com a sua formulação e a sua adaptação. Pesquisas com referenciais teóricos indefinidos precisam dedicar grande parte de seus esforços (ou todos eles...) a definir categorias hábeis para compreender as relações sociais observadas.

Usando a mesma tripartição que foi desenvolvida no ponto anterior (e notem, essa é uma categoria classificatória formulada neste trabalho), podemos identificar que há três níveis de complexidade teórica:

  1. Baixa complexidade. Você é capaz de utilizar um referencial teórico desenvolvido em trabalhos anteriores e que você pode simplesmente aplicar.
  2. Média complexidade. Você utiliza sistemas categoriais anteriormente desenvolvidos, mas precisa fazer algumas adaptações para a situação específica que está sendo analisada.
  3. Alta complexidade. Você não tem um sistema categorial predefinido, ou precisa fazer muitas adaptações para torná-los aplicáveis ao seu objeto de pesquisa.

3.3 Dimensão analítica: hermenêutica e metodologia

Thais Dumêt precisou alterar o objeto de pesquisa porque a coleta de dados planejada não era simplesmente difícil, mas impossível. Optar por analisar documentos disponíveis na Biblioteca Nacional facilita o processo de levantamento de dados, mas gera outras complexidades: que tipo de categorias podem ser identificados dentro de documentos heterogêneos?

A escolha teórica de Dumêt foi usar a categoria de "mulher criminosa" como conceito central, e utilizar referenciais teóricos construídos para mapear representações sociais. O trabalho com fontes tão diversas não deixou espaço a uma metodologia de análise de dados claramente definida, o que fez com que a solidez das conclusões dependessem sobremaneira da experiência da pesquisadora e de sua habilidade de interpretar os documentos e elaborar uma narrativa consistente a partir das fontes consultadas.

Essa abordagem hermenêutica, que não deixa espaço para métodos precisos, é parte constitutiva das metodologias qualitativas, que são construídas a partir do horizonte de compreensão do pesquisador e de suas habilidades interpretativas. Trata-se de uma opção comum no direito, que tem a vantagem de lidar bem com grandes conjuntos de textos em linguagem natural (com as sentenças judiciais), mas que tem a desvantagem de gerar um peso argumentativo muito grande para o pesquisador, que precisará justificar de modo exaustivo as suas escolhas e conclusões.

Abordagens qualitativas envolvem uma preparação teórica muito complexa por parte dos pesquisadores, que precisam conhecer a literatura técnica e filosófica com grande profundidade, para serem capazes de produzir análises que dialoguem efetivamente com os discursos contemporâneos. A impossibilidade definir métodos claros de análise aumenta a complexidade analítica dos trabalhos, além de multiplicar os desafios teóricos.

A adoção de métodos de análise predefinidos não deve ser vista como uma dificuldade, mas como uma alternativa para viabilizar o atingimento de conclusões dentro dos limites das pesquisas. Por exemplo, seus dados poderiam mostrar que, na amostra que você coletou, a média geral de decisões de procedência em ADIs era de 26%, enquanto a média de decisões de procedência em processos ajuizados pela OAB seria de 30%. Será possível concluir, a partir desses dados, que a OAB tem um nível de procedência superior à média?

Para fazer essa inferência, existem métodos estatísticos, que levam em conta o tamanho da amostra, a dispersão dos dados e o tamanho da população. Aplicar esse tipo de método quantitativo pode gerar sólidas, pois há trabalhos anteriores que desenvolveram esses critérios de análise. Assim, apropriar-se de metodologias desenhadas em outros trabalhos é uma forma de economizar tempo e de viabilizar conclusões.

4. Níveis de complexidade dos trabalhos

Essas dimensões de complexidade podem aparecer combinadas de várias formas, dentro de pesquisas concretas. Certos tipos de trabalho (como as teses de doutorado) exigem uma complexidade alta, enquanto outros trabalhos têm exigências menores.

Pensamos que a melhor forma de compreender essas diferenças, e com isso projetar um trabalho adequado, é compreender que as atividades científicas podem ter vários graus de complexidade.

2.1. Complexidade 1: Graduação

Os trabalhos produzidos na graduação têm normalmente uma função meramente pedagógica. Eles não são pensados como produção de conhecimento, mas como um exercício por meio do qual o graduando se capacita gradualmente a produzir textos adequados às exigências do campo.

Escrever uma monografia de graduação é um desafio muito grande para os estudantes, mas o fato é que os trabalhos produzidos são normalmente um primeiro ensaio de produção, que tem um foco muito grande na revisão bibliográfica e uma parte analítica de baixa complexidade e escopo reduzido.

Essas características fazem com que esses trabalhos raramente gerem textos publicáveis, exceto quando envolvem uma atuação mais expressiva do orientador, cujo conhecimento e experiência podem fazer com que o texto avance em termos de complexidade e originalidade.

Esses são trabalhos que normalmente envolvem um tempo reduzido de planejamento e execução, mas que devidamente orientados podem alcançar patamares muito bons de qualidade, especialmente quando se trata de trabalhos empíricos, visto que o levantamento de novos dados e sua análise pode despertar interesse acadêmico genuíno para trabalhos de graduação.

2.2. Complexidade 1,5: Pós-Graduação lato sensu

A pós-graduação lato sensu (ou seja, a especialização) é um formato no qual cabem propostas pedagógicas muito heterogêneas. Em alguns casos, o objetivo é puramente o de servir como espaço de estudo, de atualização de conhecimentos, o que tende a gerar trabalhos sem densidade de pesquisa.

Porém, a abordagem própria de uma pós-graduação é a que promove a realização de atividades de pesquisa, o que ocorre tipicamente nas instituições que têm (ou pretendem ter) programas de pós-graduação stricto sensu (mestrados e doutorados).

Na pós-graduação lato sensu, diferentemente do que ocorre na graduação, espera-se que os estudantes sejam capazes de elaborar ao menos artigos publicáveis. Não são comuns metodologias muito complexas, que normalmente exigiriam um tempo de dedicação dos pesquisadores incompatível com o formato mais conciso dos cursos lato sensu. São mais comuns abordagens de caráter descritivo, voltadas a mapear um determinado objeto empírico. Outra possibilidade comum é admitir, como forma de TCC, propostas de intervenção que aliem os resultados das pesquisas com propostas práticas para adaptar rotinas de trabalho aos resultados alcançados, contribuindo assim para uma administração pública baseada em evidências.

2.3. Complexidade 2: Mestrado

No nível do mestrado, espera-se tipicamente que os estudantes se capacitem a realizar pesquisas. Com relação aos trabalhos de graduação, exige-se no mestrado o desenvolvimento de conhecimentos metodológicos e de habilidades compatíveis com o planejamento e a execução autônoma de uma pesquisa científica.

Se, na graduação, pode ser suficiente demonstrar a capacidade de fazer um levantamento bibliográfico ou de mapear um determinado campo de conhecimento, o trabalho de mestrado precisa efetivamente ser qualificado como uma pesquisa. Isso faz com que os mestrandos não precisem aprender apenas a formular um problema, mas também devem ser capazes de identificar uma metodologia adequada a enfrentá-lo e a executar a pesquisa planejada.

Porém, essa pesquisa não precisa ser original, no sentido de que é possível se limitar a aplicar modelos anteriormente desenvolvidos (especialmente metodologias aplicadas em trabalhos anteriores) ou concentrar-se apenas na formulação de modelos descritivos. Enquanto a graduação pode se limitar a mapear a produção sobre um tema, o mestrado pode se limitar a mapear um certo conjunto de dados, descrevendo um determinado objeto de pesquisa.

Essa característica do modelo brasileiro é também presente em outros sistemas, como o Europeu, que tem uma graduação mais resumida (tipicamente de 3 anos), mas no qual o ciclo do mestrado toma de um a dois anos e exige a produção de um trabalho de pesquisa.

A compatibilização desse sistema com o nosso apresenta alguma dificuldade porque a nossa graduação tende a ser mais longa e a exigir uma introdução à pesquisa, nos TCCs. Porém, o trabalho exigido ao final do mestrado europeu tende a ser mais parecido com as nossas dissertações de mestrado do que com as monografias de fim de curso.

Na França, por exemplo, o master é dividido em duas seções independentes, que correspondem a graus que anteriormente eram diversos. O Master 1 tem um trabalho final próprio, que tem complexidade mediana e se aproxima das nossas especializações ou monografias de fim de curso. Já o Master 2, que é o segundo ano do mestrado, exige trabalhos cuja complexidade é compatível com as dissertações de mestrado.

A conclusão do master se dá pela apresentação de um TCC (mémoire), que é diferente no caso de se tratar de um master professionnel, voltado a um desenvolvimento de habilidades técnico-profissionais, ou de um master recherche, voltado ao desenvolvimento da pesquisa.

No caso do mémoire de recherche, trata-se tipicamente de uma monografia, cujos moldes são definidos pela instituição. Na Universidade de Nanterre, por exemplo, o Master em Direito Privado deve ter no máximo 40 páginas, enquanto no Master em Direito Penal ele pode ter até 80 páginas. Porém, no Institut des Hautes Études de L'Amerique Latine, o Master 1 deve ter de 30 a 40 páginas e o Master 2 deve ter de 120 a 150.

Já no caso do mémoire dos mestrados profissionais, é comum a exigência de um período de estágio obrigatório e de um texto mais reduzido, que não envolve uma pesquisa, mas uma reflexão sobre questões profissionais desenvolvidas no período estágio.

Uma regulação mais clara dessas distinções pode ser vista nos Regulamento de Estudos da Universidade de Laval, no Canada, que estabelece claramente que os mestrados de pesquisa devem ser concluídos por meio de um mémoire de recherche que envolve cerca de 30 créditos (um semestre de trabalho), enquanto o TCC do mestrado profissional envolve um ensaio, um relatório de estágio ou um projeto de intervenção que envolvem no máximo 1/3 do tempo dedicado à monografia.

No caso dos mestrados profissionais brasileiros, não há esse enfoque no estágio, e as regras da Capes indicam claramente que os trabalhos de conclusão deverão atender ao método científico, o que sugere a necessidade de envolvam trabalhos de pesquisa, embora essa pesquisa deva ser dirigida à integração entre teoria e prática que norteia esses cursos.

2.4. Complexidade 3: Doutorado

Enquanto o mestrado é um processo de desenvolvimento de consciência metodológica, o doutorado exige um domínio completo das metodologias disponíveis e a produção de um trabalho original.

Essa originalidade não significa dizer algo que nunca foi antes imaginado, mas significa que o pesquisador deve demonstrar sua autonomia no sentido de desenvolver modelos explicativos. Se o mestrado pode ser meramente descritivo (lidando com a aplicação de modelos teóricos a certos campos empíricos), o doutorado deve ser capaz de colocar a prova esses modelos e a contribuir para o seu aprimoramento.

A complexidade especial dos doutorados ocorre no campo da teoria: os fatos sempre são complexos, mas as abordagens podem ser muito diferentes. Diferentemente dos mestrados, os doutorados devem envolver um debate teórico aprofundado, uma avaliação dos limites das teorias manejadas e de sua capacidade de explicar os fenômenos observados.

A passagem do mestrado para o doutorado não é realizada por uma extensão da amplitude dos trabalhos de mestrado. Não basta, por exemplo, aplicar a mesma metodologia a um novo objeto, ou a um conjunto maior de objetos. O que se exige dos doutorandos é que incorporem em seus problemas de pesquisa novas camadas de complexidade.

Se, no mestrado, utilizou-se uma análise de como o STJ julga processos de habeas corpus, o doutorado não deve envolver apenas uma extensão dessa análise aos mandados de segurança. Uma nova camada de complexidade pode ser acrescentada de várias formas: comparando os dois tipos de ações ou inserindo uma nova dimensão (política, econômica, antropológica) à análise anterior. Cada nova dimensão gera tensões teóricas que precisam ser resolvidas, e é o enfrentamento dessas complexidades que deveria caracterizar o doutorado.

Isso faz com que o doutorado exija uma consciência metodológica superior e um domínio teórico de alta complexidade, que culminam na apresentação de uma abordagem original, ou seja, de um trabalho que não se limita a aplicar metodologias predefinidas, mas que contribui para o desenvolvimento de novas abordagens, ou para o aprimoramento de estratégias anteriores.

[1]

“Certamente, ao lado da justiça, o bem comum é também um dos fins do direito. Certamente, a lei, mesmo quando má, conserva ainda um valor: o valor de garantir a segurança do direito perante situações duvidosas. Certamente, a imperfeição humana não consente que sempre e em todos os casos se combinem harmoniosamente nas leis os três valores que todo o direito deve servir: o bem comum, a segurança jurídica e a justiça. Será, muitas vezes, necessário ponderar se a uma lei má, nociva ou injusta, deverá ainda reconhecer-se validade por amor da segurança do direito; ou se, por virtude de sua nocividade ou injustiça, tal validade lhe deverá ser recusada. Mas uma coisa há que deve estar profundamente gravada na consciência do povo e de todos os juristas: pode haver leis tais, com um tal grau de injustiça e de nocividade para o bem comum, que toda a validade e até o caráter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes ser negados.”

“Certamente, ao lado da justiça, o bem comum é também um dos fins do direito. Certamente, a lei, mesmo quando má, conserva ainda um valor: o valor de garantir a segurança do direito perante situações duvidosas. Certamente, a imperfeição humana não consente que sempre e em todos os casos se combinem harmoniosamente nas leis os três valores que todo o direito deve servir: o bem comum, a segurança jurídica e a justiça. Será, muitas vezes, necessário ponderar se a uma lei má, nociva ou injusta, deverá ainda reconhecer-se validade por amor da segurança do direito; ou se, por virtude de sua nocividade ou injustiça, tal validade lhe deverá ser recusada. Mas uma coisa há que deve estar profundamente gravada na consciência do povo e de todos os juristas: pode haver leis tais, com um tal grau de injustiça e de nocividade para o bem comum, que toda a validade e até o caráter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes ser negados.”“Certamente, ao lado da justiça, o bem comum é também um dos fins do direito. Certamente, a lei, mesmo quando má, conserva ainda um valor: o valor de garantir a segurança do direito perante situações duvidosas. Certamente, a imperfeição humana não consente que sempre e em todos os casos se combinem harmoniosamente nas leis os três valores que todo o direito deve servir: o bem comum, a segurança jurídica e a justiça. Será, muitas vezes, necessário ponderar se a uma lei má, nociva ou injusta, deverá ainda reconhecer-se validade por amor da segurança do direito; ou se, por virtude de sua nocividade ou injustiça, tal validade lhe deverá ser recusada. Mas uma coisa há que deve estar profundamente gravada na consciência do povo e de todos os juristas: pode haver leis tais, com um tal grau de injustiça e de nocividade para o bem comum, que toda a validade e até o caráter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes ser negados.”“Certamente, ao lado da justiça, o bem comum é também um dos fins do direito. Certamente, a lei, mesmo quando má, conserva ainda um valor: o valor de garantir a segurança do direito perante situações duvidosas. Certamente, a imperfeição humana não consente que sempre e em todos os casos se combinem harmoniosamente nas leis os três valores que todo o direito deve servir: o bem comum, a segurança jurídica e a justiça. Será, muitas vezes, necessário ponderar se a uma lei má, nociva ou injusta, deverá ainda reconhecer-se validade por amor da segurança do direito; ou se, por virtude de sua nocividade ou injustiça, tal validade lhe deverá ser recusada. Mas uma coisa há que deve estar profundamente gravada na consciência do povo e de todos os juristas: pode haver leis tais, com um tal grau de injustiça e de nocividade para o bem comum, que toda a validade e até o caráter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes ser negados.”


  1. dasdfas ↩︎