1. Dissertações e artigos

A dissertação de mestrado é uma produção teórica de complexidade intermediária. Diferentemente das monografias de graduação, trata-se de um trabalho cujos resultados são destinados à publicação, por serem consideradas contribuições autônomas para o conhecimento do campo.

Diferentemente das teses de doutorado, não são trabalhos necessariamente originais, no sentido de que podem se limitar a repetir a aplicação de metodologias anteriormente definidas. Normalmente, são trabalhos bastante focados, que tratam de aspectos pontuais de uma questão e que não demandam o grau de complexidade teórico-metodológica que se espera de uma tese.

Hoje em dia, a dissertação é uma forma em crise, pois há um deslocamento da publicação dos livros (que são o modelo das dissertações) para o formato de artigos, que são a forma usual de exposição de pesquisas. Essa é uma adaptação tanto aos modos de avaliação da pós-graduação pela CAPES (que privilegiam os artigos) quanto ao fato de que é muito difícil garantir a qualidade dos livros em um mercado editorial no qual se tornou barato editar obras formalmente classificadas como livros (ou seja, dotadas de ISBN). Há duas décadas, a forma usual de impressão de livros era a offset, um processo analógico cujos altos custos fixos (na geração das matrizes) somente tornava os livros acessíveis com edições acima de 2.000 exemplares. Isso fazia com que as editoras somente aceitassem publicar textos acadêmicos com alta demanda (especialmente didáticos) ou por meio de um modelo de negócio que garantia a remuneração da editora por meio de contribuições feitas pelos próprios autores, mais interessados na visibilidade e no prestígio do que pelos eventuais lucros obtidos com a venda dos exemplares.

A passagem para sistemas de impressão digital tornou viáveis tiragens menores, a preços competitivos, e a introdução dos ebooks viabilizou a editoração e a publicação por valores bastante reduzidos. No Brasil, o custo de gerar um ISBN é de cerca de US$ 5,00, o que é um valor irrelevante quando comparado aos custos para escrever, editar e publicar um livro. Essa mudança inundou o mercado com novas editoras e novas publicações, fazendo com que a publicação de textos acadêmicos no formato de livros deixassem de ser um signo de sua especial relevância para o campo.

Nesse contexto, a necessidade de filtros capazes de organizar a produção acadêmica em termos de qualidade tem sido satisfeita por meio das revistas especializadas, que publicam em sistema de peer review. Esse sistema também está em crise, pois a sua viabilidade depende do trabalho não remunerado dos revisores (que trabalham apenas em troca de prestígio e da relevância dos pareceres para seus currículos) e porque várias revistas de relevo são acessíveis apenas a bibliotecas que pagam muito caro por elas.

Tanto é assim que foram desenvolvidos amplos sistemas de circulação dos artigos em sites piratas, que têm garantido a ampla circulação de muitas pesquisas científicas relevantes, especialmente em países periféricos, como o Brasil. Diversamente do que ocorre no âmbito internacional, esses sistemas de circulação pirata são menos relevantes para a ciência produzida no Brasil, visto que boa parte das revistas nacionais são abertas (até porque são custeadas com verbas públicas) e podem ser consultadas em bibliotecas como a SciELO (Scientific Eletronic Library Online).

Apesar de ser um sistema em crise, publicação de artigos revisados por pares é ainda o melhor indicador do prestígio acadêmico de um texto e de seus autores. Por esse motivo, é de interesse tanto dos pesquisadores quanto dos programas em que eles estão inseridos que a sua produção acadêmica circule por meio de artigos, e não por meio de livros.

Inobstante, os cursos de mestrado acadêmico em direito tipicamente exigem a defesa de dissertações, motivo pelo qual esse formato também tem sido adotado pelos mestrados profissionais, que ainda não contam com parâmetros próprios muito definidos de avaliação. O abandono do formato dissertação é um risco que a maioria dos programas não está disposto a correr, pois os prejuízos podem ser muito grandes, em termos de avaliação do programa.

Parece razoavelmente estabelecido que uma pós-graduação lato sensu pode ter como trabalho final um artigo, ou mesmo outras formas de produção. Já dos mestrados se espera uma produção que siga o método científico, o que aponta para pesquisas cujo formato tradicional de apresentação é a monografia (que, no caso do mestrado, se chama convencionalmente de dissertação).

Ocorre que as dimensões típicas do trabalho monográfico são bem maiores que as dos artigos de periódicos. As dissertações são organizadas em capítulos e, grosso modo, cada capítulo deveria ter a complexidade de um artigo.

Na academia, é bem comum que os estudantes escrevam dissertações, mas que publiquem artigos decorrentes do desmembramento dessas pesquisas.  Mas o fato é que os capítulos raramente têm a densidade necessária para um artigo independente, ainda mais considerando que as dissertações costumam partir de um problema semelhante ao dos artigos.

Em boa parte das dissertações, há uma série de capítulos que têm uma função preparatória e que se mostram como resultado de estudo e não de pesquisa. São resultados de uma leitura que, apesar de envolver textos relevantes, não tem um método definido nem busca respostas claras para um problema de pesquisa. O estudante relata o que aprendeu da história do instituto, apresenta uma revisão da bibliografia, mas não faz uma análise rigorosa desses textos, visto que seu objetivo não é mapeá-los, mas apenas contextualizar a si mesmo e aos leitores.

Esses textos de contextualização são pouco publicáveis porque normalmente refletem o esforço do estudante de compreender os temas estudados, mas não são originais, visto que são repetidos em todos os trabalhos semelhantes, tais como: análises sobre a distinção entre regras e princípios; sobre a história do garantismo e suas características; sobre as diferenças do realismo escandinavo e do realismo americano; enfim, sobre vários pontos teóricos que o próprio estudante não conhecia, mas que a banca já dominava.

Esses textos sem originalidade, mas que exigem grande esforço dos mestrandos e doutorandos, acabam entrando nas dissertações e nas teses como forma de demonstração de esforço. Não são exposições de resultados, não são decorrências de aplicação de uma metodologia clara, não são propriamente pesquisas. Estão mais para um relato de estudos, ainda que de estudos críticos.

Trabalhos desse tipo são os principais responsáveis pela falta de importância das dissertações e das teses, visto que a manutenção dessas estruturas faz com que os elementos relevantes e originais da pesquisa se encontrem entremeados por uma série de trechos que têm pouca relevância acadêmica. São partes de uma dissertação que não são lidas nem mesmo pelas pessoas mais interessadas no tema, que pulam tudo isso para chegar aos tópicos em que se supõe estarem localizadas as contribuições mais inovadoras da pesquisa.

Ocorre que não faz sentido algum escrever textos para não serem lidos. Esses textos podem ser escritos como exercícios de estudo, mas não devem ser apresentados para as bancas e, menos ainda, publicados. Essa situação desequilibrada faz com que a saída mais típica seja conferir aos trabalhos de pós-graduação o formato de dissertação, mas sem nenhuma expectativa de que eles sejam publicados na forma de livro, visto que o que se espera é que o texto da dissertação seja convertido em artigos.

Porém, tal conversão é muitas vezes deixada de lado, até porque ela impõe uma grande dificuldade emocional aos recém-mestres e recém-doutores, que muitas vezes não têm forças para voltar imediatamente a seus textos e retrabalhá-los. Com isso, programas de pós-graduação terminam gerando muitos trabalhos excelentes que não viram livros nem artigos, o que representa um grande desperdício.

Frente a essa dificuldade, parece mais razoável criar modelos nos quais os estudantes possam apresentar dissertações em que estejam presentes os artigos que serão submetidos aos periódicos especializados. Essa submissão prévia dos artigos à banca significa um adiantamento do peer review das revistas, que contribui decisivamente para que os trabalhos venham a ser publicados.

2. Estruturas das dissertações

Considerando que as dissertações devem ser convertidas em artigos para fim de publicação, há duas abordagens típicas para a sua construção, de tal forma que a dissertação pode ter o formato de:

  1. um artigo expandido ou
  2. uma combinação de artigos.

2.1 Dissertação como artigo expandido

A diferença aqui será no nível de complexidade alcançado pelas partes internas do trabalho. Quando pensamos em um artigo expandido, devemos construir o trabalho com um núcleo a ser publicado (a investigação propriamente dita), complementada por outros elementos que comporão o texto da dissertação, mas que não se voltam a ser publicados de forma independente.

Esse é o modelo padrão das dissertações, que normalmente contém uma investigação central, complementada por alguns estudos preparatórios, tais como:

  1. revisões de literatura voltadas a contextualizar o problema;
  2. estudos de natureza histórica, construídos apenas por revisão bibliográfica;
  3. análises teóricas para justificar os marcos teóricos adotados;
  4. explanações metodológicas que justifiquem as abordagens utilizadas.

Essa não é uma lista exaustiva, pois são várias as formas de se construir uma dissertação como uma combinação de estudos (que não se voltam à publicação, mas ao desenvolvimento do horizonte de compreensão do pesquisador) e de pesquisas (essas sim, voltadas a obter resultados originais e, por isso, voltadas a serem publicadas).

2.2 Dissertação como articulação de artigos

Quando a investigação se torna mais complexa, é possível produzir um texto que combine duas pesquisas diferentes, que são capazes de gerar artigos passíveis de publicação autônoma. Nese caso, cada capítulo da dissertação deve corresponder a um artigo completo, e a dissertação será constituída pela combinação dos artigos com uma introdução geral (que mostre como os problemas de cada artigo se articulam) e uma conclusão/discussão (que dimensione a contribuição dos resultados para o campo jurídico).

No caso do mestrado, são várias as possibilidades de construir dissertações a partir da articulação de artigos, sendo que elas precisam ser bem planejadas pelos estudantes, em conjunto com os orientadores. A diferença com relação ao modelo do artigo estendido é o de que o pesquisador planeja escrever artigos diversos, o que exige uma preocupação metodológica mais densa: não se trata de ter uma "parte histórica", mas de realizar uma pesquisa histórica, com métodos claros e uma investigação definida.  Esse é um tipo de complexidade mais típica dos doutorados, mas que pode ser usada nos mestrados, especialmente quando os pesquisadores têm interesse em seguir carreira acadêmica (um campo no qual a publicação de artigos é muito relevante para a construção de uma carreira).

O modo específico de articular os artigos depende muito do tipo de trabalho. Para pesquisas empíricas uma das formas de dividir é inspirar-se no modelo IMRD (Introduçã0-Metodologia-Resultados-Discussão), no sentido de que podem ser tornados autônomos artigos sobre a Metodologia, sobre a descrição dos Resultados e sobre a Análise do impacto dos resultados no conhecimento disponível.

Quando o trabalho tem uma metodologia especialmente complexa, é possível pensar em autonomizar um artigo voltado a discutir as adaptações metodológicas necessárias para investigar um certo campo. Assim, você pode ter uma dissertação composta por um artigo Teórico-Metodológico e um artigo focado nos Resultados e na Discussão. Existem revistas mais ligadas a essas questões, como a Revista de Estudos Empíricos em Direito - REED, que tem espaço para a publicação de trabalhos desse tipo.

Mesmo que a sua pesquisa não tenha uma dimensão metodológica mais complexa, ela pode ter uma dimensão teórica interessante, o que pode gerar um artigo que discuta as opções teóricas existentes e contribua para a elaboração de categorias mais adequadas a um certo campo, especialmente sobre formas adequadas de classificar os dados de modo produtivo.

Se você fizer uma investigação empírica extensa, uma forma possível de dissertação é escrever um artigo focado na explanação dos resultados e outro na análise de suas implicações. Isso ocorre especialmente nos casos em que são levantados dados originais, cuja explanação tem densidade suficiente para se tornar um artigo publicável. Essa é uma forma interessante de divisão, especialmente se você apresentar desde logo o primeiro texto para publicação, de tal forma que o seu artigo analítico tenha a possibilidade de citar o artigo descritivo, articulando-se com ele.

Há várias outras formas possíveis de composição das dissertações: um artigo mais histórico articulado com uma descrição atual, dois artigos aplicando a mesma metodologia a classes processuais diferentes (e uma conclusão que compara os resultados), artigos teóricos que tratam de diferentes dificuldades de um mesmo campo, artigos voltados a dois objetivos específicos do mesmo problema de pesquisa (mapear certas decisões e analisar o seu conteúdo, por exemplo). As possibilidades são muito amplas.

3. Dissertação no mestrado profissional

A experiência brasileira com mestrados profissionais na área do direito ainda é restrita. Sobre o formato dos trabalhos de conclusão dos cursos desse tipo, a CAPES orienta que eles devem evidenciar a natureza profissional do curso, podendo-se adotar uma das formas indicadas na legislação vigente, sendo mais compatíveis com cursos profissionais em direito a Dissertação, a Revisão Sistemática ou o Estudo de Caso, sem prejuízo de outros formatos por ela previamente aprovados.

Algumas instituições que oferecem cursos de mestrado profissional em direito têm admitido a adoção de formatos diferentes da tradicional dissertação. São exemplos disso a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, cujo Regulamento do Programa de Pós-Graduação em Direito e Políticas Públicas autoriza o cumprimento do requisito do TCC por meio de dissertação, estudo de caso, projeto regulatório ou pelo desenvolvimento de processos e técnicas; e do Curso de Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios da Unisinos, que admite a apresentação de dissertação aplicada, estudo de caso aprofundado, análise de modelos negociais, estudo de impacto legal e regulatório, análise de situação problema e proposta de solução, entre outras modalidades que façam a interligação entre a teoria e a prática jurídica, permeadas pela perspectiva da inovação jurídica aplicada.

Nos mestrados profissionais que exigem dissertações, uma das possibilidades de articulação mais interessantes (e uma que consideramos especialmente desejável) é combinar um artigo de pesquisa com um texto de viés mais prático, que pode ser um projeto de intervenção (construído a partir dos achados do artigo teórico) ou ao menos um ensaio que trate dos impactos das descobertas do artigo teórico na prática jurídica. Essa estrutura é especialmente desejável em mestrados que têm uma vinculação institucional, na qual é esperado que exista uma vinculação direta entre a pesquisa teórica e as atividades da organização.

Por se tratar de um mestrado, é necessário (até pela legislação aplicada a tais cursos) que o trabalho de conclusão tenha um viés de pesquisa, que envolva a aplicação do método científico. Porém, os mestrados profissionais têm por missão formar profissionais mais capacitados, e não apenas pesquisadores. Esse equilíbrio parece mais viável quando se pensa no movimento da gestão baseada em evidências. Quando se espera da gestão pública e privada que os gestores tomem decisões baseadas nas pesquisas mais recentes e mais sólidas, cria-se uma ligação direta entre pesquisa e prática.

Espera-se que essas pesquisas tenham potencialidades efetivas de seus impactos na prática. Porém, elas devem ser pensadas como pesquisas metodologicamente sólidas, pois o objetivo é justamente deixar a gestão baseada em experiência (nas intuições de atores dotados de grande experiência na área), para um paradigma diferente, no qual as decisões devem ser tomadas com base em evidências coletadas por atividades de pesquisa.

Por isso, nos mestrados profissionais, é especialmente adequado construir dissertações como combinações de um artigo de investigação empírica com um artigo que discuta os possíveis impactos desse resultado nas práticas institucionais. Mesmo em casos nos quais não se mostre possível essa divisão de dois artigos articulados, é importante que o artigo estendido faça esse tipo de análise.