1. Características da pesquisa-ação

1.1. A pesquisa científica e seus limites

Pesquisas são tentativas de enfrentar uma lacuna no conhecimento. O ímpeto de pesquisar costuma nascer da percepção de que o nosso conhecimento sobre determinado tema é deficiente (e precisa ser aprimorado) ou ao menos incompleto (e precisa ser expandido). Sentimos os limites do nosso conhecimento em várias situações:

  1. quando não sabemos realizar uma atividade;
  2. quando não conseguimos tomar uma decisão porque nos faltam elementos;
  3. quando tomamos uma decisão com base nos conhecimentos disponíveis, mas os resultados divergem das nossas expectativas.

Essas são situações em que a falta de um conhecimento adequado pode ser suprida por meio de uma investigação cuidadosa do mundo, que chamamos de pesquisa. A pesquisa tem grandes vantagens, pois nos proporciona conhecimentos robustos, que servem como critérios confiáveis (embora nunca perfeitos) para orientar nossas escolhas.

Mas a pesquisa tem limites também:

  1. ela é uma atividade cara e muitas pesquisas terminam sendo mais custosas do que os benefícios que elas podem gerar (ao menos de forma imediata);
  2. ela é uma atividade demorada, e muitas vezes precisamos de oferecer respostas rápidas;
  3. ela nem sempre é possível, pois muitas vezes desejamos descobrir padrões cuja percepção demanda pesquisas anteriores, que não foram realizadas.

Esses limites da ciência fazem com que várias atividades humanas sejam realizadas de modo mais efetivo por meio de abordagens não-científicas. Esse é o caso dos saberes técnicos, em que são aplicados conhecimentos que foram sedimentados de maneira consuetudinária. Esse longo processo de sedimentação é normalmente capaz de selecionar formas de atuação efetivas, que são estabilizadas por meio de sua inserção em um conhecimento tradicional, transmitido de geração em geração.

1.2 A decisão técnica baseada em evidências

A tradição não é científica, pois não decorre de pesquisa. O que a forma é um outro mecanismo de seleção: certas ideias são formuladas, algumas delas são mantidas ao longo do tempo, outras são revistas. Não se trata, é claro, da variação cega da seleção natural, pois o desenvolvimento da cultura não se dá por mutações aleatórias, e sim por meio de propostas intencionais de rever certas posições ou reinterpretá-las. A tradição não procede da pesquisa, de um teste controlado de hipóteses nem da utilização dos mecanismos estatísticos da ciência contemporânea.

Os mecanismos de formulação de uma tradição são mais lentos e ela gera uma unidade mais estável, visto que a tradição dominante é aquela que assim é reconhecida pelas pessoas. A dogmática jurídica é um desses discursos tradicionais, que são renovados em um ritmo lento, por propostas de revisão e por exercícios de reinterpretação. Entre os discursos técnicos baseados na dogmática tradicional e os discursos técnicos baseados na ciência, parece existir um meio-termo: os discursos técnicos baseados em evidências.

Estes são discursos técnicos que operam dentro de uma tradição cultural, mas que são comprometidos com implementar os conhecimentos científicos. Os técnicos não são pesquisadores, pois eles não são produtores de novos conhecimentos. Mas eles podem assumir um compromisso de tomar decisões que dialoguem com o conhecimento produzido pela pesquisa científica. Esse é um movimento que ganhou corpo na medicina no final do século XX e que, ao longo do séc. XXI, expandiu-se para outras áreas de conhecimento técnico, como a administração e a gestão pública.

Segundo Pfeffer e Sutton (2006), cerca de 15% das decisões médicas eram tomadas com base em evidências, sendo que a maior parte dos diagnósticos e tratamentos eram baseados no conhecimento tradicional que os médicos aprenderam na faculdade, mas que não são baseados em pesquisas científicas. Isso não é simplesmente uma crítica à prática médica, mas ao conhecimento médico, que em grande medida repete padrões tradicionais que repetidamente se mostram incorretos.

Boa parte do debate atual sobre violência obstétrica, por exemplo, se relaciona à manutenção de práticas médicas obsoletas, intervenções desnecessárias e praticadas sem o consentimento da mulher. Essas são condutas que não têm base em evidências científicas, mas que são baseadas em uma tradição médica que não respeita a autonomia das mulheres e que repetidas vezes se mostram incompatíveis com os princípios contemporâneos de liberdade e dignidade.

Padrões tradicionais estratificados podem ser úteis, quando não existem outras diretrizes disponíveis e quando a sua prática é compatível com os valores contemporâneos. Porém, essas práticas devem ser revistas quando temos evidências de que elas são ineficazes (o que é uma questão técnico-científica) ou quando elas são incompatíveis com o sistema constitucional (o que é uma questão técnico-jurídica).

Esse princípio de atuar com base em evidências encontra vários limites práticos, visto que boa parte do conhecimento médico, administrativo ou jurídico não foi submetido ainda ao crivo de uma pesquisa científica rigorosa, que seja capaz de reavaliar as opções tradicionais. Nos campos técnicos, a intuição bem treinada de um técnico experiente continua sendo a fonte mais segura de decisões. Porém, o crescente número de investigações científicas via criando cada vez mais espaços em que a existência de um conhecimento mais seguro deveria possibilitar a substituição das abordagens intuitivas e tradicionais por decisões que levem em conta as pesquisas científicas mais modernas.

A ciência fornece o conhecimento teórico sólido, mas a incorporação desse conhecimento às práticas sociais depende do desenvolvimento de estratégias adequadas de ação. Nem sempre há conhecimento científico disponível, mas, quando ele existe, torna-se importante criar protocolos por meio dos quais ele possa ser incorporado às práticas sociais existentes.

Essa transição do conhecimento científico para as práticas administrativas não é feito pela ciência, mas por meio de estratégias de gestão. Por esse motivo, torna-se tão importante a elaboração de planos de intervenção que sejam capazes de implementar as conclusões atingidas pelas pesquisas teóricas, dando a elas uma aplicação prática.

1.3 O ciclo da investigação-ação

Além de incorporar os resultados da pesquisa científica, espera-se que os gestores contemporâneos desenvolvam uma reflexividade sobre suas próprias atividades, de modo a possibilitar seu aprimoramento ao longo do tempo. David Tripp (2005) chama de investigação-ação esse tipo de abordagem no qual "se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e investigar a respeito dela".

Não se trata propriamente da pesquisa acadêmica, que tem uma estrutura própria de produção de conhecimentos, mas de uma outra forma de abordagem, que opera por meio de um ciclo:

O plano de intervenção corresponde ao momento planejar. Esse plano deve ser uma decorrência de uma avaliação dos resultados da ação. A inadequação dos resultados é o que motiva a produção de um projeto de intervenção, que em um plano executável. A execução desse plano é a própria intervenção, que implanta a melhora planejada, e cujos resultados devem ser devidamente monitorados, para que seja possível avaliá-los e, com isso, permitir um novo ciclo, voltado a suplantar as deficiências diagnosticadas.

A estrutura da avaliação-ação envolve a multiplicação desses ciclos de aprimoramento. Porém, cada um desses elementos pode ser objeto de uma atividade diferente:

  1. monitorar os resultados (que corresponde a uma investigação descritiva, voltada a descrever um fenômeno),
  2. avaliar os resultados (que corresponde a uma investigação conclusiva, voltada a aplicar uma metodologia de avaliação),
  3. planejar uma melhora prática (que não é exatamente uma pesquisa, mas um plano de intervenção), e a
  4. implantar as intervenções planejadas.

Quando tratamos de um plano de intervenção, ele pode envolver os quatro elementos acima descritos, mas esse ciclo completo costuma ser demasiadamente longo para um TCC, visto que o tempo de implementação, monitoramento e avaliação tende a ser bem maior do que o tempo disponível. Mesmo em um mestrado é pouco viável realizar todo esse ciclo. Por esse motivo, em cursos de especialização, sugerimos que seja feito apenas o diagnóstico, inclusive porque essa fase de diagnóstico se aproxima mais de uma pesquisa e porque ela não depende de um patrocínio administrativo.

Tripp sugere que chamemos de pesquisa-ação esse uso de técnicas consagradas de pesquisa para produzir a parte investigativa de uma investigação-ação (que é uma expressão mais ampla, designando também processos que são mais intuitivos e não se valem de metodologias rigorosas de levantamento e análise de dados). A pesquisa-ação seria a utilização de investigações científicas dentro do contexto de uma investigação ação. Nas palavras de Tripp, “pesquisa-ação é uma forma de investigação-ação que utiliza técnicas de pesquisa consagradas para informar a ação que se decide tomar para melhorar a prática”.

Essa incorporação das abordagens científicas como métodos de aprimoramento de gestão permite o desenvolvimento de uma gestão baseada em evidências. Porém, não se trata exatamente da pesquisa científica pois o objetivo não é contribuir para a produção de um conhecimento generalizável para outras situações, mas produzir um conhecimento centrado na situação problema, voltado especificamente a compreendê-la para poder aprimorá-la.

1.4 Verossimilhança e eficiência

A pesquisa científica exige uma alocação maior de recursos e um dispêndio de tempo que somente se justificam quando o resultado é escalável: ele não se volta a resolver uma situação concreta, mas uma gama de situações. Já os processos de investigação-ação se concentram no aprimoramento de certas dinâmicas de trabalho, de certas estratégias administrativas, o que exige um grau menor de certeza, visto que o objetivo é gerar resultados úteis para uma prática organizacional particular.

Trata-se de formular intervenções meramente verossímeis, a partir da combinação do conhecimento tradicional existente, das perspectivas dos agentes envolvidos e do conhecimento científico disponível. Essa plausibilidade do resultado não será testada por meio de um método investigativo, mas deverá será testada por meio de um projeto piloto (ou protótipo), cujos custos sejam razoáveis e que ofereça resultados mensuráveis e passíveis de avaliação.

O ciclo de investigação-ação deve gerar aprimoramentos mais rápidos e mais baratos do que o desenvolvimento de múltiplas pesquisas científicas, voltadas a testar exaustivamente as hipóteses levantadas e mais céticas com relação aos conhecimentos tradicionais e às intuições dos agentes mais experientes. Essa vinculação com a tradição tende a gerar resultados mais conservadores e promover alterações mais discretas nas práticas administrativas do que uma pesquisa científica inovadora, que coloque em xeque os pressupostos do campo. Porém, como os ciclos são mais rápidos, é possível promover ciclos iterados de investigação-ação, acumulando mudanças discretas que conduzam a um aprimoramento das políticas públicas e das estratégias administrativas.

No fim das contas, a pesquisa-ação resulta em proposições que devem ser implementadas e cuja eficiência será avaliada na prática. Pode ocorrer que as propostas sejam eficientes por motivos bastante diversos dos que os pesquisadores imaginam, mas isso pouco importa. Essa incerteza no diagnóstico das causas é um problema para a pesquisa científica, pois compromete a utilização desse conhecimento em outras experiências.

Na pesquisa-ação, essa incerteza não é um problema, mas uma característica: trata-se de uma heurística de aprimoramento, cujo resultado prático é mais importante do que a contribuição teórica para o conhecimento. O objetivo é buscar ações mais efetivas e não um conhecimento generalizável e, portanto, a verossimilhança dos diagnósticos é suficiente para projetar ações de alteração discreta, apostando em ciclos iterados de aprimoramento.

Essa é uma percepção que acompanhou a própria formulação do conceito de pesquisa-ação, que normalmente é referido no texto Action Research and Minority Problems, de Kurt Lewin (1946). Segundo Lewin, os atores práticos tinham uma percepção crescente de que :

"[...] mere diagnosis — and surveys are a type of diagnosis — does not suffice. In intergroup relations as in other fields of social management the diagnosis has to be compelmented by experimental comparative studies of the effectiveness of various techniques of change.'' (1946:37)

Nesse sentido, a pesquisa-ação oferece um importante mecanismo de cooperação entre pesquisadores e operadores práticos, cujos esforços precisam ser unidos para viabilizar o planejamento e a execução de intervenções.

1.5 Intervenção ou proposta de intervenção?

A pesquisa científica parte da definição de um problema, que é baseado no estudo e na experiência do pesquisador. A formulação do problema permite a fixação de objetivos claros e a formulação de abordagens capazes de alcançar esses objetivos. No fim do processo, fazemos uma espécie de relatório em que indicamos o problema estudado, os resultados alcançados pelas nossas estratégias de abordagem e discutimos quais são os impactos desses resultados para o campo. Existe, assim, uma distinção clara entre a pesquisa (que é o processo) e o relatório de pesquisa (que é o produto apresentado ao final, na forma de artigo, monografia, dissertação ou tese).

No caso das pesquisas, é possível determinar claramente um projeto de pesquisa, que consiste em um planejamento que deve esclarecer de forma exaustiva o problema e o método, bem como o marco teórico, para que seja possível avaliar se as ações propostas pelo pesquisador tendem a conduzir aos resultados desejados, avaliação essa que é feita pelo orientador e, em certos casos, deve ser ratificada por uma banca de qualificação.

No caso da pesquisa-ação, essa diferença entre projeto e produto não é tão clara, porque a formulação de propostas de ação não pode ser reduzida à aplicação de um método predefinido. O caráter propositivo precisa envolver escolhas técnicas que não são redutíveis a um método. Essa característica define tanto o ponto fraco da pesquisa-ação (porque as intuições podem estar erradas), como sua vantagem principal (viabilizar ciclos de iteração mais rápidos, em que a ineficiência seja diagnosticada e novas propostas possam emergir).

Essa característica tem impactos no planejamento da intervenção, pois não é possível definir, a priori, os métodos que serão utilizados para formular a proposta. Do ponto de vista científico, a formulação seria um salto no vazio, orientado pela intuição bem informada do pesquisador. Frente a essa situação, o que é possível planejar?

O que se planeja é a intervenção, que serve como método para testar uma espécie de hipótese: que a intervenção projetada teria impactos positivos na situação-problema. A intervenção funciona como uma espécie de experimento: uma alteração controlada da realidade, que tem como função avaliar a hipótese de trabalho (que, no caso, é a de que a intervenção gera aprimoramento da prática em que a transformação é implementada).

Os exemplos iniciais de pesquisa-ação, discutidos por Kurt Lewin (1946), já tinham essa dimensão: havia uma prática realizada de uma determinada maneira e os pesquisadores introduziram duas variantes, o que gerou dois grupos com características novas, e a manutenção de um grupo de controle (em que não houve qualquer mudança).

Essas características indicam que, na pesquisa-ação, as estratégias de intervenção ocupam o lugar das estratégias de abordagem, e sua função é gerar alterações que permitam avaliar se as transformações propostas são capazes de aprimorar uma prática social. Nesse contexto, os métodos de pesquisa costumam entrar especialmente em dois momentos: no diagnóstico e na avaliação.

Para iniciar o processo, é necessário haver um diagnóstico preliminar, que acople:

  1. uma descrição da situação-problema;
  2. uma descrição de problemas (deficiências ou insuficiências) a serem enfrentados;
  3. um diagnóstico preliminar, que aponte possíveis causas dos problemas.

Sem o diagnóstico preliminar, não é possível iniciar o processo de desenvolvimento de uma intervenção. Na pesquisa científica, também é impossível desenhar um método sem uma definição clara do problema (que também envolve uma descrição dos fatos e o diagnóstico de uma lacuna). Em ambos os casos, a inexistência de um diagnóstico claro indica a necessidade de uma pesquisa preliminar, que ofereça esse diagnóstico.

Em ambos os casos, também, pode ocorrer que esse diagnóstico preliminar se mostre um desafio tão complexo que seja necessário realizar previamente uma pesquisa descritiva, voltada especificamente a realizar uma descrição mais precisa dos fatos. Nessa situação, pode ser que o desenvolvimento de uma pesquisa ação tenha como requisito uma pesquisa descritiva, que segue os parâmetros da pesquisa científica: definição do objeto pesquisado, dos objetivos a serem alcançado e da abordagem que deve conduzir à uma descrição adequada da realidade.

No caso específico da pesquisa-ação, a descrição da realidade deve ser combinada com um diagnóstico, visto que é preciso identificar as deficiências e definir algumas causas verossímeis. Por isso, a pesquisa prévia não deve ser meramente descritiva, mas deve envolver também a proposição de um diagnóstico, que não é mais preliminar porque ele é suficientemente sólido para que possa ser utilizado para a formulação efetiva de propostas de intervenção. Assim, a depender da complexidade necessária da investigação voltada ao diagnóstico, a pesquisa-ação pode gerar produtos diferentes, relacionados aos elementos do ciclo de investigação-ação.

1.5.1 Diagnóstico

Pode focar-se no diagnóstico, caso em que ela deve definir a situação-problema e uma estratégia de abordagem capaz de se utilizar dos instrumentos de pesquisa (como entrevistas, grupo focal e questionários) para desenvolver um diagnóstico. Há muitos casos em que o diagnóstico é muito desafiador: existe a intuição de que há problemas, mas não existe uma descrição suficientemente precisa da atividade para possibilitar sequer a formulação de um diagnóstico das causas.

Nesse caso, o tempo disponível para o TCC tende a ser totalmente consumido no esforço de realizar uma pesquisa descritiva (ou até mesmo exploratória), voltada a descrever adequadamente as atividades praticadas. Nessa situação, não existe a possibilidade de desenvolver um plano de intervenção amadurecido, mas apenas sugerir linhas de ação possíveis, decorrentes do diagnóstico.

Por exemplo, não adianta se dedicar a fazer um plano de intervenção em uma política de compliance se não existe uma descrição prévia adequada da situação atual dessa questão dentro do órgão, sobre os instrumentos normativos, sobre as orientações disponíveis. Ou pode ocorrer de haver uma descrição razoavelmente clara da situação, mas que não é suficiente para projetar causas com a plausibilidade necessária.

Em um caso como esse, seria inadequado formular propostas antes que fosse realizada uma pesquisa-diagnóstico, que explorasse s diversas facetas da situação e chegasse a um conjunto plausível de causas. Para essa finalidade, costumam ser úteis as estratégias qualitativas, tais como grupos focais, entrevistas e observação direta ou observação participante, que busquem não apenas descrever a situação-problema, mas também levantar as percepções dos atores envolvidos acerca das deficiências existentes na prática analisada e de suas possíveis causas. Também é possível utilizar abordagens de diagnóstico e decisão, que estruturam protocolos específicos de investigação-ação, como é o caso do design thinking.

O resultado desse esforço deve ser o devido dimensionamento da situação e uma identificação de potenciais causas, de tal forma que a proposta de intervenção possa ser realizada em um trabalho futuro, seja pelo mesmo pesquisador ou por outras pessoas. Caso o esforço exigido por essa investigação seja muito grande, será inviável avançar no plano de intervenção dentro do TCC, chegando-se no máximo a delinear certos possíveis cursos de ação, mas sem produzir um plano executável, visto que não vale a pena o trabalho exaustivo de formular plano de intervenção quando não se tem clareza suficiente dos objetivos a serem buscados, que são definidos pelas causas identificadas para o problema.

1.5.2 Proposta de intervenção

Pode aliar o diagnóstico a uma proposta de intervenção, o que pode ocorrer nos casos em que já exista um diagnóstico sólido ou em situações em que os prazos do curso sejam compatíveis com o desenvolvimento do diagnóstico. No caso das especializações, é provável que haja tempo suficiente para desenvolver uma proposta de intervenção mais específica, que constitua um plano executável, com indicação precisa do modo pelo qual o plano deve ser implementado, monitorado e avaliado. Nessa situação, espera-se que o plano seja o de um plano-piloto, que sirva como ferramenta para analisar as potencialidades da proposta.

1.5.2 Relatório de Intervenção

Havendo tempo disponível, é desejável que seja feita a implantação devidamente monitorada do plano-piloto, o que pode gerar dados suficientes para uma avaliação dos resultados. Somente nesse ponto é que se fecha o ciclo da investigação-ação, visto que a proposta de intervenção é implementada de modo controlado, o que permite avaliar a sua efetividade, abrindo espaço para um novo ciclo de reflexões voltadas ao aprimoramento constante da atividade.

Nesse caso, o produto a ser apresentado não é a proposta de intervenção, mas o Relatório de intervenção, que terá uma estrutura próxima dos trabalhos científicos, com a definição do problema (que é o núcleo da introdução), das estratégias de abordagem (que compõem a metodologia), da descrição dos resultados (com os dados do monitoramento) e de uma discussão (com os resultados da avaliação)

Esse ciclo completo, porém, tende a ser incompatível com os prazos de uma especialização, sendo mais viável dentro de um mestrado (especialmente, de um mestrado profissional, que tende a ser mais aberto à realização de uma investigação-ação).

1.6 O planejamento da pesquisa-ação

No planejamento da pesquisa-ação, um dos elementos centrais é o cronograma, pois a questão do tempo é crucial para a definição da amplitude das atividades que serão realizadas.

Uma vez definida a situação problema, é preciso avaliar o tempo necessário para fazer um diagnóstico preciso, o que pode limitar o produto a ser apresentado a este diagnóstico, o que abre espaço apenas para oferecer algumas diretrizes gerais no sentido de definir potenciais intervenções. Nesse caso, você pode chamar o seu planejamento de projeto de diagnóstico. A vantagem dessa redução é que você pode criar abordagens complexas de diagnóstico, combinando métodos diferentes, cujos resultados são fundamentais para um planejamento adequado das ações.

Se houver tempo disponível, você pode alocá-lo na produção de uma proposta de intervenção propriamente dita. Nesse caso, entra-se em uma zona em que a diferença entre o plano e o produto fica pouco definida. O que você fará na etapa de planejamento é uma espécie de projeto de proposta de intervenção, mas que tem basicamente a mesma estrutura da proposta final.

Isso indica que essa relação de plano e produto deve ser pensada como uma continuidade: você parte de uma proposta preliminar e deve indicar o itinerário que você pretende seguir para definir uma proposta executável. Nesse caso, o seu desafio é desenvolver um projeto piloto eficiente, capaz de definir os elementos da intervenção (com uma definição clara de metas, de recursos e de cronograma), bem como os processos de monitoramento e de avaliação. Essa é a parte do trabalho que é mais técnica do que científica, de tal forma que o produto final é um projeto que será avaliado em sua viabilidade, e não de uma conclusão que será avaliada em termos de sua robustez.

Apesar de ser a parte mais técnica, trata-se de uma atividade profundamente ligada às abordagens científicas, dado que é preciso construir um piloto que ofereça resultados comparáveis: não basta que o resultado seja uma melhoria dentro de alguma métrica, mas é preciso ter segurança razoável em afirmar que a melhoria decorre da intervenção (e não de outras variações ambientais). Por isso, é desejável que você defina um piloto e também alguma espécie de grupo de controle, que deve ser monitorado para viabilizar uma comparação dos resultados.

Caso você consiga encaixar no seu cronograma tanto o planejamento quanto a execução da proposta, o seu planejamento não deve ser apenas uma proposta preliminar, mas precisa ser uma proposta de intervenção propriamente dita. Ocorre que a apresentação dessa proposta completa no início do processo é algo muito difícil, que só é plausível nos casos em que há um diagnóstico previamente realizado em uma pesquisa-ação anterior ou em um ciclo anterior de investigação-ação, ou quando se trata de propostas bastante pontuais, cujo diagnóstico e planejamento sejam pouco complexos e possam ser realizados por meio de uma investigação preliminar.

Caso você tenha a ambição de realizar o ciclo completo da investigação-ação, chegando a um Relatório de Intervenção (e não apenas a uma proposta executável), é bem possível que você tenha de estabelecer um cronograma com dois pontos de planejamento: uma proposta preliminar, que apresente as estratégias voltadas a produzir o diagnóstico e um planejamento definitivo, uma proposta de intervenção propriamente dita, que parta do diagnóstico e estabeleça as estratégias da intervenção que você pretende implementar.

2. O caráter dialógico da pesquisa-ação

2.1 A mitigação dos vieses nas atividades técnicas

A literatura contemporânea sobre vieses cognitivos tem estimulado uma reflexão voltada a desenvolver uma capacidade de mitigar os vieses que influenciam nossas decisões. Nós nos tornamos cada vez mais conscientes de que os vieses cognitivos que todos nós compartilhamos tornam cada indivíduo pouco capazes de observar com clareza os limites de suas próprias intuições. Em especial, nosso forte viés de confirmação nos torna péssimos avaliadores da qualidade de nossas intuições.

Essa consciência nos oferece a possibilidade de reinterpretar certas instituições tradicionais, que tornam as decisões sociais fundamentais pouco sujeitas à vontade de um indivíduo particular, ou mesmo de um grupo de indivíduos. As sociedades humanas podem ter vários níveis de subordinação, mas várias das organizações sociais mais estáveis são baseadas em alguma forma de coordenação, ainda que essa coordenação seja efetuada por um grupo de lideranças.

A exigência de uma ação coordenada exige que exista um diálogo, uma argumentação pública, uma troca efetiva de experiências. Do ponto de vista da psicologia cognitiva, as estruturas políticas que exigem coordenação parecem bastante ligadas às teorias que percebem a racionalidade humana como uma habilidade discursiva. Sperber e Mercier indicam que grupos tomam decisões melhor que indivíduos, pois os equívocos individuais costumam ser mitigados pela necessidade de justificar nossas posições. Os seres humanos tendem a ser muito exigentes com as argumentações alheias e pouco exigentes com os próprios argumentos, de tal forma que decisões colegiadas costumam ser menos sujeitas aos vieses individuais.

Estruturas decisórias coletivas existem em diversas culturas e a própria ciência pode ser pensada como uma grande diálogo, em que quaisquer pessoas podem participar, oferecendo argumentos. O que torna a ciência muito poderosa não é a capacidade individual do pesquisador, mas a possibilidade de coordenar a atuação de milhares de pessoas, acumulando conhecimentos produzidos por uma quantidade imensa de indivíduos, que operam com critérios semelhantes. A pesquisa pode ser uma atividade solitária, mas essa pesquisa precisa ser validada em instâncias coletivas, como as bancas de defesa de tese ou os pareceres de peer review.

No caso das decisões técnicas, a colegialidade impõe exigências, mas tende a gerar resultados positivos: profissionais se reúnem em escritórios comuns, em consultórios que integram redes, em grupos que trocam experiências e, com isso, a sua atuação não é tão isolada quanto pode parecer. O erro que passa incólume pelo de uma pessoa, tende a ser percebido pelo crivo de pessoas que estão mais atentas naquele momento.

Embora o plano de intervenção constitua uma atividade individual, que é característica dos TCCs, ele somente pode ser adequadamente desenvolvido quando existe um efetivo diálogo com outros atores. O diálogo com o orientador costuma ser suficiente para as pesquisas acadêmicas, pois ainda é necessária a defesa e a incorporação dos novos conhecimentos pelo campo. Já para os planos de intervenção, esse diálogo com o orientador é fundamental, mas é insuficiente: exige-se uma expansão do diálogo para os atores políticos diretamente envolvidos com a situação problema.

Somente esse exercício coletivo pode fazer com que os vieses do proponente não influenciem de forma demasiada o seu diagnóstico e a terapêutica sugerida.

2.2 A necessidade de validação do diagnóstico pelas autoridades competentes

Como a proposta de intervenção envolve sempre um determinado ambiente organizacional, não faz sentido despender esforços no sentido de alterar uma prática que não seja percebida como deficiente pelos atores politicamente relevantes.

De nada adianta fazer uma proposta de intervenção para alterar qualquer aspecto do processo administrativo disciplinar em determinado órgão, quando as pessoas que ocupam os cargos de direção consideram que não existe um problema premente a ser enfrentado.

Enquanto o projeto de pesquisa deve ser acolhido apenas pelo orientador (porque ampliar o conhecimento tem utilidade em si), a proposta preliminar de intervenção precisa ser aprovada também pelas pessoas que teriam o poder para determinar essa intervenção. Esse tipo de validação prévia não é necessária no projeto de diagnóstico, visto que a existência de um diagnóstico com problemas a serem enfrentados é justamente o que precisa ser validado. Porém, mesmo nesse caso é desejável que haja diálogos prévios com os agentes envolvidos, visto que é muito provável que eles tenham de tomar parte nas estratégias de diagnóstico.

Embora tal validação não garanta que ela será efetivamente implementada, esse patrocínio (ou aceite) demonstra que existe interesse institucional, que existe um reconhecimento de que a situação-problema demanda algum tipo de alteração e de que há abertura para uma potencial aplicação do projeto desenvolvido.

3. A estrutura do projeto de intervenção

3.1 Diagnóstico

No diagnóstico, a situação problema deve ser devidamente observada, gerando uma descrição muito semelhante ao que seria o resultado de uma pesquisa descritiva. É preciso adotar estratégias empíricas (quantitativas e/ou qualitativas) para que a situação problema seja devidamente descrita e compreendido o contexto no qual ela se insere.

Um elemento fundamental do diagnóstico é a identificação de:

  1. potenciais causas das dificuldades observadas;
  2. potenciais consequências de uma intervenção.

A identificação das causas é importante porque é a identificação das causas que possibilitará o desenvolvimento de estratégias voltadas a atacar as causas, resolvendo (ou mitigando) os problemas.

Numa pesquisa acadêmica, a identificação de vínculos de causalidade exige a aplicação de metodologias rigorosas, voltadas a identificar se existe realmente uma causalidade entre os fatores.

Na proposta de intervenção, o objetivo não é avaliar rigorosamente se existe causalidade entre certos fatores, mas é partir de observações baseadas na experiência. Com isso, essa estrutura aproxima-se mais da defesa técnica de uma tese do que de uma efetiva pesquisa científica. Nesse caso, a verossimilhança da relação de causalidade, a partir da experiência do pesquisador e do orientador, é suficiente para o desenvolvimento da proposta.

Essa é uma fragilidade das propostas de intervenção, com relação às pesquisas, que buscam um rigor maior no conhecimento dos seus objetos. Na proposta de intervenção, esse rigor é mitigado, o que faz com que seja muito importante partir de pesquisas anteriores e de conclusões compatíveis com o senso comum.

Não é por acaso que várias estratégias de tomada de decisão (como o design thinking e as análises de impacto regulatório) tendem a criar sistemas complexos de diagnóstico, que envolvem a participação de vários atores, o que mitiga bastante os riscos de que o viés de confirmação do proponente conduza à admissão acrítica de um diagnóstico incorreto.

O calcanhar de Aquiles de uma proposta de intervenção é justamente a potencial fragilidade do diagnóstico. Torná-lo mais robusto exige o estabelecimento de diálogos com os atores envolvidos, a leitura exaustiva tanto da literatura científica quanto de análises técnicas anteriores e a adoção de estratégias de mitigação do viés de confirmação, como a opção por estratégias que impliquem o diálogo de um grupo relativamente grande.

No caso de uma especialização, o tempo disponível para a realização dos trabalhos costuma ser compatível apenas com a realização do diagnóstico. Esse diagnóstico de causas não é exatamente uma pesquisa científica, mas um exercício técnico, que utilize de estratégias adequadas de mitigação dos vieses, mas que não adote a via mais complexa de isolar variáveis e testar uma hipó

3.2 Proposta

A proposta poderá ser mais ou menos desenvolvida, a partir do projeto que se tenha da pesquisa-ação. Nos casos em que houver uma concentração no diagnóstico, a proposta poderá ser apenas um delineamento geral das causas e de possíveis linhas de intervenção. Caso o diagnóstico permita, a proposta deverá ser mais específica, incluindo um plano de ação executável.

3.2.1 Caráter executável

A proposta, para não ser um palpite, precisa estar calcada em um diagnóstico adequado. A partir de um bom diagnóstico, é possível identificar com relativo grau de certeza algumas potenciais causas das dificuldades.

A investigação rigorosa das relações de causalidade exige metodologias específicas da pesquisa científica, que podem ser utilizadas, mas que normalmente demandariam uma mudança no escopo: em vez de realizar uma proposta de intervenção, seria possível realizar uma pesquisa exploratória, ou uma pesquisa descritiva, cuja realização não deixaria tempo suficiente para a formulação de uma proposta de intervenção.

Essa proposta deve ter como objetivo atacar as causas que foram diagnosticadas, o que mobiliza um saber técnico, e não uma pesquisa científica. A solidez das propostas depende de um conhecimento exaustivo da área e da literatura, para que não se proponha estratégias que já foram consideradas pouco eficientes. Mas esse salto do diagnóstico para a proposição exige uma simplificação dos modelos que não é compatível com o rigor da pesquisa científica.

Se a pesquisa científica busca a construção de um conhecimento rigoroso, mas muito caro e específico, as propostas de intervenção mobilizam o saber menos confiável e mais vivencial dos especialistas e de sua experiência. A vantagem é que essa redução no rigor viabiliza a construção de saídas práticas que sejam efetivas e que, tanto quanto possível, mobilize uma aplicação prática dos conhecimentos obtidos nas pesquisas científicas.

Trata-se aqui de uma atuação prática baseada em evidências, que não se confunde com a pesquisa empírica (que é baseada em evidências, mas exige metodologias rigorosas para a comprovação de hipóteses), mas que se relaciona com ela, como uma forma de tomar decisões técnicas baseadas no conhecimento científico mais atual.

O diagnóstico precisa ser calcado em evidências, mas a proposta precisa ir além, envolvendo um saber prudencial que se organiza de forma diferente dos discursos científicos. No âmbito da academia, a formulação dessas propostas prudenciais pode ser feito sob uma orientação de pessoas mais experientes e que conhecem a literatura contemporânea, contribuindo para o aprimoramento técnico dos estudantes e para a adoção de uma gestão pública baseada em evidências, que é uma das tônicas da administração contemporânea, mas que não se tornou ainda a forma padrão de atuação dos profissionais.

A proposta, nesse caso, não pode ser uma mera sugestão. Precisa ser uma proposta executável, com esclarecimentos suficientes, com cronograma plausível e com estimativas de custo. Não se trata de dar uma ideia, mas de formular um projeto administrativo completo, que pode efetivamente ser executado pelas autoridades que patrocinaram a iniciativa de realizar a proposta de intervenção.

3.2.2 Monitoramento e avaliação

Além de indicar quais são as mudanças a serem implementadas, o plano deve conter indicações de como essas alterações devem ser monitoradas (que dados devem ser levantados e de que forma) e posteriormente avaliadas, para mensurar se os impactos da intervenção foram positivos, negativos ou neutros.

Essa necessidade de avaliação faz com que o mais adequado seja propor um piloto, que servirá para testar as intuições que movem a intervenção planejada. Implementar uma transformação em larga escala é um risco, pois é possível que mesmo as soluções que parecem óbvias sejam imprecisas e demandem um aprimoramento antes de serem adotadas de forma generalizada.

Para testar a eficiência das propostas, é muito comum que se faça primeiramente um piloto, ou seja, uma aplicação limitada das intervenções, que sirva como teste. No caso da pesquisa ação, esse piloto deve ser pensado com muito cuidado, pois ele deverá conter indicações de como ele deve ser avaliado, o que normalmente importa indicar um grupo de controle: um campo no qual a intervenção não seja aplicada, e que servirá como parâmetro de comparação.

Esse grupo de controle é muito importante porque a implementação da proposta pode coincidir com alterações ambientais que inviabilizem uma avaliação adequada: mudanças no ambiente internacional, no governo federal, na legislação aplicável, na jurisprudência dos tribunais. Para que seja possível isolar, tanto quanto possível, os resultados decorrentes da transformação implementada, é preciso definir um parâmetro de comparação, e esse elemento deve ser parte integrante do plano.

3.3 Relatório de intervenção

Caso seja possível realizar a intervenção, deve-se realizar a monitoração dos dados e a conclusão do trabalho deverá constituir em uma explanação da avaliação, que indique se os impactos estiveram em linha com o esperado ou se eles sugerem a necessidade de um novo ciclo de investigação-ação, voltado a aprimorar os resultados.

3.4 Outros elementos

Além do diagnóstico e da proposta, a proposta de intervenção pode ter outros elementos que são comuns com as monografias: introdução, revisão bibliográfica, marco teórico e outros elementos que fazem parte dos discursos acadêmicos. O trabalho pode ter um capítulo histórico, pode ter uma análise de experiências internacionais, pode englobar estudos auxiliares que contribuem para a fixação do diagnóstico ou das propostas.